O lado escuro das redes sociais no Egito

Cairo, Egito, 17/05/2013 – Mais de dois anos depois de terem desempenhado um papel fundamental na Primavera Árabe do Egito, as redes sociais passaram a ter um papel menos positivo, servindo de plataforma para a incitação, propagação de boatos e total desinformação.

O lado escuro das redes sociais no Egito

As mídias sociais, que facilitaram a Primavera Árabe no Egito, agora desempenham um papel mais negativo. - Khaled Moussa al-Omrani

Durante a revolta popular de 18 dias, ocorrida neste país no começo de 2011, as redes sociais, especialmente Twitter e Facebook, facilitaram a organização de grandes manifestações, com seu epicentro na famosa praça Tahrir, e funcionaram como plataforma para articular demandas políticas.

"As mesmas redes sociais que os ativistas utilizaram para derrubar Hosni Mubarak agora servem para conseguir objetivos políticos de curto prazo, manipular a opinião pública e até incitar a violência", disse à IPS o especialista Adel Abdel-Saddiq, do Centro Al-Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, com sede no Cairo. "Estes novos meios foram essenciais para mobilizar centenas de manifestantes em diversos lugares simultaneamente", disse à IPS o analista político Ammar Ali Hassan. "E também permitem que os usuários obtenham informação e notícias de fontes que não sejam os canais governamentais oficiais", acrescentou.

As redes sociais também passaram a ser um espaço para comunicados oficiais. O Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), por exemplo, continua publicando comentários e declarações oficiais no Facebook. Este órgão governou o país desde a saída de Mubarak até a posse do presidente Mohammad Morsi, em 30 de junho de 2012. "Após a revolta, a classe politicamente ativa adotou o Facebook como seu meio de comunicação preferido", contou Abdel-Saddiq, destacando que "o então governante CSFA se deu conta disso e começou a se comunicar com o público por esse meio, que foi decisivo para a queda do regime" de Mubarak, que estava no governo desde 1981.

"Agora as redes sociais desempenham um papel mais destrutivo, são utilizadas frequentemente para provocar ira e ódio, e espalhar boatos não confirmados", segundo Abdel-Saddiq. "Desde a revolução vemos que são usadas para incitar os manifestantes contra a polícia, a oposição laica contra os grupos islâmicos, muçulmanos contra cristãos, e vice-versa", observou. "Usuários anônimos publicaram comentários, que resultaram ser falsos, dizendo que as forças de segurança disparavam contra manifestantes desarmados ou que muçulmanos atacavam cristãos", detalhou.

"Uma vez feito isso, fica fácil, com apoio novamente das redes sociais, incidir em uma grande quantidade de manifestantes furiosos, que se encontram em lugares específicos para criar um terreno fértil de enfrentamentos violentos", pontuou Abdel-Saddiq. Este fenômeno ocorreu novamente após a revolta popular, quando as paixões sectárias se avivaram, em razão de choques entre muçulmanos e cristãos, por trás dos quais muitos observadores veem a mão invisível de um terceiro.

"O público logo viu que as denúncias falsas nas redes sociais começaram a ser usadas por certos grupos, tanto forças revolucionárias, rivais políticos, quanto agências estrangeiras de inteligência, para desestabilizar o Egito pós-revolucionário", ressaltou Abdel-Saddiq.

No final de 2011 surgiu um grupo anônimo que se definia como "comitê para a promoção da virtude e prevenção do vício no Egito". A página fez temer pelo surgimento de uma "polícia moral", semelhante à da Arábia Saudita, e tinha o logotipo do grupo salafista Al-Nur (Partido da Luz). Esta organização de extrema direita religiosa se apressou em negar seu vínculo com o grupo do Facebook, cujos criadores permanecem anônimos até hoje.

"Um dos inconvenientes das redes sociais é que grupos anônimos podem criar contas ou sites na internet falsos, e assim divulgar comunicados em nome de grupos ou figuras políticas", opinou Hassan. Segundo especialistas, plataformas para compartilhar vídeos, como o Youtube, também começaram a ter um papel menos positivo do que tiveram durante a revolta.

"Os vídeos publicados deram um ímpeto adicional à revolta, o que permitiu a manifestantes de outras partes do país saberem o que acontecia. Atualmente, são usados cada vez mais para incitar e subverter", explicou Abdel-Saddiq. Este especialista citou vários incidentes com fotos e vídeos provocadores nas redes sociais, que, após incentivarem reações de ira, resultaram ser falsos ou muito exagerados. Em muitos casos, "eram mais velhos do que se dizia e representavam acontecimentos sem nenhuma relação", acrescentou.

Segundo Abdel-Saddiq, um exemplo é o vídeo que apareceu em 2011 mostrando um policial jogando o corpo de um manifestante de boca para baixo sobre um monte de lixo. Depois de gerar uma onda de indignação contra a polícia e de os grandes canais de televisão divulgarem, soube-se que o incidente nem mesmo havia acontecido no Egito. No começo de abril deste ano circulou outro vídeo mostrando um grupo de homens muçulmanos agredindo sexualmente uma mulher copta no Alto Egito, sul do país. O vídeo, divulgado no contexto das tensões sectárias no Cairo e em Alexandria, motivou uma onda de mal-estar popular.

Depois soube-se que era de 2009 e tinha a ver com uma vingança tribal, não com conflitos sectários. "Essa foi uma clara tentativa de um grupo anônimo de incitar a violência entre cristãos e muçulmanos do Egito", apontou Hassan. "Incidentes desse tipo ocorreram tão perto do período pós-revolucionário que a maioria dos usuários das redes sociais questionam a fonte e a data de produção dos vídeos que circulam na internet", acrescentou Hassan.

Abdel-Saddiq atribuiu a situação atual à falta de controle legal sobre as plataformas de meios sociais no Egito, onde "as leis contra injúria e difamação só se aplicam aos meios tradicionais de comunicação, como televisão, rádio e imprensa, mas não à internet". Ele espera que, após as próximas eleições parlamentares, no final deste ano, se crie uma lei para regular os meios sociais. "Até então, continuaremos vendo como essas novas formas de liberdade de expressão, às quais muitos egípcios ainda não estão acostumados, são usadas de maneira irresponsável e sem limites", afirmou. Envolverde/IPS

Khaled Moussa al-Omrani

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