Escolas fantasmas no Paquistão

meninos Escolas fantasmas no Paquistão

Meninos que não vão à escola em Ibrahim Hyderi, uma comunidade de pescadores perto de Carachi. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

 

Carachi, Paquistão, 12/11/2013 – Rahmatullah Balal passou dez anos contando o que no Paquistão todos chamam de “escolas fantasmas”. Trata-se de centros de ensino que só existem no papel, porque, na realidade, são usados para guardar animais ou como espaços reservados para os poderosos locais. Balal, de 35 anos, preside a Sociedade de Desenvolvimento Rural da província de Sindh, uma rede de 40 organizações não governamentais, e luta para mostrar as escolas que não existem para funcionários da Educação, principalmente na cidade de Hala e seus arredores, nessa região sudeste da qual Carachi é a capital.

O Departamento de Educação não deu atenção às suas queixas, e há cerca de três anos decidiu, com um grupo de amigos, ficar diante das casas dos políticos, identificados com braçadeiras negras, ou participar de acontecimentos onde os políticos são convidados. “Eles ouviram mas não fizeram absolutamente nada, porque não havia nenhuma pressão dos pais”, afirmou.

No ano passado, sua organização decidiu usar tecnologia digital. “Fizemos com que a comunidade se envolvesse, e cada vez que ouvíamos sobre uma escola fantasma, ou que não funcionava, eram enviadas centenas de mensagens de texto de diferentes números aos parlamentares.” Os jornais locais deram destaque quase diário ao assunto. Contudo, apesar disso, nada mudou. Como último recurso, em janeiro deste ano, Balal decidiu apelar para a Suprema Corte de Justiça do Paquistão pedindo ao seu presidente, Iftijar Mohammad Chaudhry, que considerasse a “lamentável situação” da educação em Sindh, com particular referência às escolas fantasmas.

Por mensagens de texto, pediu a organizações comunitárias locais e pessoas de cada lugar que enviassem detalhes sobre esses centros de estudo. “Em dez dias fizemos uma lista de 1.300 dessas escolas em toda Sindh”, contou. O Supremo Tribunal de Sindh fez um novo levantamento e informou à Suprema Corte que havia 6.721 dessas escolas que eram propriedade do governo, e para as quais inclusive fornecia fundos.

“Os prédios escolares se converteram em estábulos”, declarou Chaudhry, máxima autoridade judicial do Paquistão, em 11 de fevereiro deste ano, ao atender a petição de Balal. “Isto é o que estamos fazendo às nossas crianças, quando a educação é um direito constitucional”, destacou. Balal ainda espera uma resolução legal. “Gostaria que se levasse justiça a todos os que estiveram roubando o governo”, afirmou à IPS.

Sadiqa Salahuddin, diretora do Centro de Recursos Hindus, disse preferir falar em escolas “fechadas”. Algumas das 130 administradas por sua entidade nos distritos de Jaipur, Sukkur, Dadu, Jamshoro e Carachi, na província de Sindh, foram antes escolas que não funcionavam. “As escolas fantasmas estão associadas à corrupção, particularmente com o ausentismo dos professores, sendo que esse não é sempre o caso”, disse à IPS.

“Alguns dos professores dessas mesmas escolas podem ainda estar ensinando e ganhando o salário honestamente, mas seu supervisor pode tê-los destinado para outra parte sob pressão de um superior”, ponderou a diretora. Salahuddin admitiu que pode ocorrer a transferência de professores para uma área mais conveniente.

“Destinar professoras para escolas de aldeias afastadas, quando não há transporte público, é o primeiro passo para prejudicar a carreira até mesmo da mais dedicada e comprometida”, disse a diretora à IPS, culpando as políticas centralizadas de recrutamento, pelas quais o pessoal docente que é empregado do governo pode ser designado para qualquer parte.

Segundo o Informe Global da Corrupção, da Transparência Internacional, apresentado em 1º de outubro no Paquistão, alguns professores trabalham em conivência com as autoridades de ensino para “falsificar relatórios sobre o funcionamento das escolas”, enquanto, na realidade, trabalham em outros lugares. O problema dos professores que não se apresentam ao trabalho, ou de escolas transformadas em estábulos, está na viciada política educacional, ressaltou Salahuddin.

O sistema usado pelo governo, de construir escolas em prédios doados pela comunidade, é um dos motivos, afirmou Salahuddin. “No Sindh rural, que conheço bem, a terra pertence a um punhado de poderosos, que quando se desprendem dela sempre impõem condições e exercem influência e interferência”, explicou. Como estão as coisas, o Paquistão não poderá conseguir até 2015 a educação primária universal, segundo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A mesma meta está contida também na Declaração de Dacar de 2000, da qual este país também é signatário.

Um estudo feito em 2010 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que 25 milhões de meninos e meninas entre cinco e 16 anos não iam à escola no Paquistão, que tem população total de 183,5 milhões de pessoas. Por outro lado, na vizinha Índia, com 1,2 bilhão de habitantes, estimava-se que eram oito milhões entre seis e 14 anos que não iam à escola em 2009, o que implicava uma redução significativa em relação aos 25 milhões que eram em 2003.

O informe, elaborado com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Universidade de Ciências Administrativas de Lahore, não incluiu as Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), Gilgit-Baltistão e a Caxemira administrada pelo Paquistão. Este país gasta 1,9% de seu produto interno bruto com educação, quando a média mundial é de 4%. Em contraste destina 54% do orçamento à defesa e ao pagamento da dívida pela compra de armas.

Entretanto, mesmo uma parte deste baixo orçamento educacional é subutilizado. Entre 2012 e 2013, as quatro províncias do país gastaram com ensino o equivalente a US$ 293 milhões, menos da metade dos fundos destinados, segundo a Alif Ailaan, uma aliança de organizações não governamentais dedicadas a promover a educação. A entidade faz campanha para que o orçamento seja maior e melhor utilizado.

“Necessitamos das duas coisas, porque a escala da solução tem de estar à altura da escala do problema”, afirmou à IPS Mosharraf Zaidi, da Alif Ailaan. Zaidi acrescentou que os prédios escolares e a contratação de professores se converteram em ferramentas de clientelismo político. Enquanto, paralelamente, a seu ver, o problema da educação não tem o protagonismo que deveria, porque os políticos não estão “expressando indignação pelo resultado deste sistema educacional”, destacou. Envolverde/IPS

Zofeen Ebrahim

Zofeen Ebrahim is a Karachi-based journalist who has been working independently since 2001, contributing to English dailies, including Dawn and The News, and current affairs monthly magazines, including Herald and Newsline, as well as the online paper Dawn.com. In between, Zofeen consults for various NGOs and INGOs. Prior to working as a freelance journalist, Zofeen worked for Pakistan’s widely circulated English daily, Dawn, as a feature writer. In all, Zofeen’s journalism career spans over 24 years and she has been commended nationwide and internationally for her work.

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