Crise síria se espalha com suas divisões pelo Líbano

Siria1 Crise síria se espalha com suas divisões pelo Líbano

Edifícios construídos no bairro de Jabal Mohsen. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

Trípoli, Líbano, 23/1/2014 – A guerra civil na Síria tem seu fiel reflexo nesta cidade do Líbano, onde dois bairros se enfrentam apoiando grupos do conflito nesse país vizinho. As hostilidades não cessam. Os bairros de Jabal Mohsen e Bab Al Tabbaneh, separados pela Calle Síria, foi palco de 18 ondas de enfrentamentos desde 2008.

A região já tem suas cicatrizes: lojas incendiadas, prédios danificados por disparos de morteiro e barracas de lona furadas por balas. Agora também se pode ver postos de controle dos militares libaneses, enviados para garantir a segurança na área por seis meses, depois que os choques de novembro deixaram vários mortos e feridos.

Os habitantes de Bab Al Tabbaneh são majoritariamente seguidores do ramo sunita do Islã, como os rebeldes sírios, enquanto os de Jabal Mohsen são predominantemente alauíes, como a família Assad. Cerca de 11% dos libaneses seguem o alauismo, uma vertente do xiismo. “Não há escolas primárias nem secundárias aqui, e não é seguro as crianças cruzarem as áreas sunitas”, disse um comerciante de Jabal Mohsen.

Emad Salman, pintor de casas de 28 anos, disse à IPS que não pode sair do bairro em busca de trabalho desde novembro, e que inclusive aqueles que devem se trasladar para receber atenção médica foram escoltados pelos militares. “Todos ali são da rede Al Qaeda”, afirmou, se referindo aos moradores de Bab Al Tabbaneh. “Quinze homens que saíram de Jabal Mohsen para trabalhar foram interceptados e baleados nas pernas”, contou.

A última onda de hostilidades começou depois de dois atentados contra mesquitas sunitas, supostamente por membros da comunidade de Jabal Mohsen, no final de agosto. Dois carros-bomba explodiram diante desses prédios, matando pelo menos 47 pessoas e ferindo mais de 400. No dia 30 de outubro, Ali Eid, fundador do Partido Democrático Árabe Alauí, se negou a comparecer perante a justiça depois de ter sido acusado de facilitar a fuga para a Síria de um dos principais suspeitos dos atentados.

Seu filho e líder do partido, Rifaat Eid, respondeu à acusação com declarações incendiárias contra os serviços de segurança libaneses. Isso derivou em numerosos ataques contra a comunidade alauí, que por sua vez geraram enfrentamentos entre os dois grupos. O exército libanês decidiu assumir o controle da cidade por seis meses, desde o dia 2 de dezembro.

Ao visitar a área, a IPS encontrou as paredes das casas em Jabal Mohsen cheias de grafite enaltecendo o regime sírio. Também viu um popular cartaz da “trindade” xiita com os rostos do presidente Assad, de seu pai Hafez e do líder do libanês Hezbolá (Partido de Deus), Hassan Nasrallah.

No empobrecido bairro de Bab Al Tabbaneh, um grupo de adolescentes disse à IPS em tom desafiador que dois homens alauís foram apunhalados numa briga “familiar” com a comunidade sunita. Meninos com pouco mais de dez anos, que resistiam ao frio em uma garagem, disseram que se “preparam para a revolução”.

Uma mulher sunita mostrou à IPS os restos de sua loja incendiada. Na frente, dois soldados vigiavam. Ela responsabilizou pela situação o primeiro-ministro, Najib Miqati, que renunciou em março de 2013, embora se mantenha interinamente no cargo. Desde então o Líbano está paralisado politicamente e as negociações para formar um novo governo estão bloqueadas pela influência do conflito sírio.

Trípoli é a terra natal de Miqati, um sunita na coalizão política Aliança 8 de Março, liderada pelo Hezbolá. Também é o homem mais rico do Líbano. Fez grande parte de sua fortuna com uma empresa de telecomunicações que opera na Síria e em mercados emergentes.

Mustafa Allouch, chefe do escritório em Trípoli do Movimento do Futuro, que integra a coalizão Movimento 14 de Março, responsabilizou pela instabilidade o regime da família Assad, por ter interferido durante décadas no Líbano. A Síria manteve uma presença militar em território libanês por cerca de 30 anos, até 2005, quando teve de se retirar diante dos maciços protestos e pela pressão internacional depois do assassinato do então primeiro-ministro Rafiq Hariri.

O Hezbolá, aliado ao regime de Assad e financiado pelo Irã, nunca foi obrigado a entregar suas armas, e é considerado mais poderoso do que as próprias forças armadas libanesas. Allouch, também diretor em um hospital local, disse que o Hezbolá admitiu há algum tempo sua participação na guerra síria. Contudo, muitas figuras do Movimento 14 de Março também foram acusadas de enviar armas aos rebeldes sírios, incluindo o próprio Allouch, denunciado por seu próprio primo.

“Minha mãe é alauí e tenho um tio que é general no regime sírio. Ele disse isso ao seu filho e ele acreditou. Apenas ri e lhe disse que se tivesse meios para fazê-lo, o faria”, afirmou Allouch, que na adolescência combateu na Guerra Civil Libanesa (1975-1990). Em todo caso, a quantidade de armas que entra na Síria com origem no Líbano é pequena comparada com a que chega por outras fronteiras. “Mas isto é o Líbano. Há armas e munições por todos os lados”, reconheceu. Envolverde/IPS

Shelly Kittleson

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