Gaza perde seu salva-vidas subterrâneo

Gaza Gaza perde seu salva vidas subterrâneo

Túneis destruídos do lado egípcio da fronteira com Gaza. Foto: Khaled Alashqar/IPS

 

Gaza, Palestina, 13/1/2014 – A fronteira entre o Egito e a Faixa de Gaza costumava ferver de atividade até há poucos meses. Comerciantes faziam entrar uma série de mercadorias egípcias, desde alimentos até matérias-primas, através de centenas de túneis. Mas estas estruturas, localizadas a 40 quilômetros da cidade de Gaza, entre a palestina Rafah e o Sinai no Egito, estão em silêncio.

Essa situação evoluiu desde a chegada das forças armadas ao poder no Egito. O palestino Movimento de Resistência Islâmica (Hamás), que governa Gaza, era aliado do derrocado presidente egípcio Mohammad Morsi (junho 2012 a julho 2013). Qualificando os túneis como uma ameaça à segurança, os militares egípcios lançaram uma campanha sistemática contra eles, destruindo-os junto com as casas sob as quais foram construídos do seu lado da fronteira.

Para os 1,7 milhão de habitantes de Gaza, o fechamento dos túneis tirou deles um salva-vidas. Milhares de operadores dos túneis, bem como comerciantes e trabalhadores, foram muito prejudicados. “Nunca antes enfrentamos este tipo de pressão do exército egípcio, e parece que as coisas vão piorar”, contou Abu Nabil, morador da Faixa e que trabalhava em um túnel do lado palestino desde 2007.

Mais de 90% das passagens subterrâneas, a maioria delas operadas por privados, foram destruídas pelas forças armadas do Egito, o que paralisou completamente o comércio feito por essa via, disse Nabil à IPS. Ele empregava 20 trabalhadores em seu túnel, que transportavam mercadorias, alimentos, equipamento eletrônico e material para construção, do Egito para Gaza. Agora, cerca de 20 mil trabalhadores que operavam nos túneis ficaram desocupados.

A área dos túneis se estende por mais de oito quilômetros ao longo da fronteira. Não está aberta ao público, exceto com permissão do Hamás, cujas forças de segurança a vigiam no lado palestino. O exército egípcio estabeleceu uma zona de exclusão de 500 metros ao longo da fronteira e instalou postos de controle de segurança, mas os operadores tentam encontrar uma solução. Nabil procura estender a cumprimento de seu túnel para poder evitar a zona de exclusão.

Mas é provável que os problemas persistam, pois para as autoridades egípcias o comércio através dos túneis é ilegal. “Os túneis são usados para contrabandear insurgentes e grupos radicais que ameaçam a segurança nacional egípcia. Deveriam ser destruídos”, disse à IPS o coronel Ahmed Mohammad, porta-voz militar do Egito. Cairo também destaca que as mercadorias que entram em Gaza pelos túneis não têm nenhum selo oficial e nem pagam impostos. Em Gaza a história é diferente, com o governo do Hamás reconhecendo o comércio através dessas passagens subterrâneas.

Alaa Alrafati, ministro da Economia da Faixa de Gaza, disse à IPS que o fechamento dos túneis representa perda de US$ 230 milhões por mês e asfixia aproximadamente mil fábricas e unidades industriais que dependiam das matérias-primas que chegavam por eles. É preciso que as autoridades do Egito e de Gaza cheguem a um entendimento, ressaltou.

Segundo Alrafati, “o governo de Gaza está preparado para fechar todos os túneis do lado palestino se puder habilitar uma rota oficial com o Egito para abordar a necessidade de Gaza com relação a produtos comerciais e material para construção”. O ministro acrescentou que os líderes do governo do Hamás “estão interessados em desenvolver relações com o Egito”.

Os túneis floresciam porque estavam livres de restrições e representavam uma maneira de driblar o sítio israelense contra Gaza. Alguns estudos indicam que o comércio por essas vias representava US$ 1 bilhão ao ano. Sameer Abu-Mdalla, decano da Faculdade de Economia na Universidade de Al Azhar, em Gaza, disse à IPS que, antes de 2006, havia no total 60 túneis, mas que após o bloqueio imposto por Israel, em 2007, e com o fechamento dos pontos de passagem da fronteira, a quantidade disparou para aproximadamente mil.

Essas passagens ajudaram a atender 60% das necessidades de matéria-prima e outros produtos em Gaza, disse o professor. Abu-Mdalla afirmou que a destruição dos túneis pode contribuir com o aumento do desemprego na Faixa de Gaza. A seu ver, as autoridades do Hamás legitimaram o comércio através dos túneis e introduziram impostos. Daí o fato de 15% do orçamento do governo procederem dos túneis e outras fontes relacionadas.

Porém, Abu-Mdalla destacou também alguns aspectos negativos. “Por exemplo, os túneis não geraram desenvolvimento em Gaza, e levaram ao surgimento de aproximadamente 800 milionários que usaram a renda derivada da operação de túneis para lavar dinheiro”, afirmou.

Estas estruturas subterrâneas também foram passagem para grupos insurgentes palestinos contrabandearem para Gaza armas que seriam usadas contra Israel. Além disso, presume-se que junto com elas entravam drogas ilegais na pequena e superpovoada Faixa palestina. Com o fechamento dos túneis, os mais prejudicados são os moradores comuns de Gaza. Seja pela pobreza, pelo desemprego ou pelo isolamento, a medida piorou drasticamente suas vidas. Envolverde/IPS

Khaled Alashqar

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