Estados Unidos “presenteiam” empresas privadas com jazidas de carvão

mining truck 640 629x419 Estados Unidos “presenteiam” empresas privadas com jazidas de carvão

As licitações para a indústria do carvão preocupam ambientalistas nos Estados Unidos. Foto: Bigstock

 

Washington, Estados Unidos, 7/2/2014 – O governo dos Estados Unidos viola políticas federais de licitação quando outorga terras públicas a certas empresas de mineração de carvão, segundo indica uma nova auditoria. Essa irregularidade pode custar milhões de dólares aos contribuintes, além de dar impunidade às empresas para degradarem a integridade ambiental da bacia do rio Powder, nos Estados de Wyoming e Montana, e para liberar gases-estufa em grande escala.

As disposições federais estipulam que o Escritório de Ordenamento de Terras (BLM, federal) deve licitar as terras mediante um processo competitivo e transparente. Mas um relatório do Escritório de Responsabilidade do Governo (GAO), divulgado no dia 4, conclui que esse processo não é respeitado. Em 90% das 107 licitações de terras estudadas por esse órgão, houve apenas uma empresa ofertante.

O GAO “oferece um convincente argumento de que o programa carece de integridade”, disse à IPS o diretor do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, Tom Sanzillo. “Como nunca houve supervisão independente em 30 anos de licitações federais, nenhuma delas foi revisada”, acrescentou. Sanzillo identificou duas empresas, Arch Coal e Peabody Energy, como as principais beneficiárias das licitações da BLM.

Críticos dizem que a falta de um processo competitivo desvaloriza as licitações, reduzindo o ganho do governo, que acaba arrendando terras públicas a preços menores. Um informe de junho passado do inspetor-geral do Departamento do Interior (agência reitora da BLM) alertava que os Estados Unidos perderam US$ 60 bilhões devido à subvalorização das licitações. Contudo, Sanzillo acredita que o número é muito maior.

Em uma análise em resposta a esse estudo, o Sanzillo disse que o inspetor-geral não considerou as falhas metodológicas da BLM na hora de estabelecer o valor do carvão público. O inspetor-geral “identifica ao menos três fragilidades no programa da BLM”, segundo o especialista. “Não há uma verificação independente da informação geológica e de engenharia. Não há estimativas do ganho com as exportações projetadas, e não são usados dados de vendas comparativos na hora de fixar os preços da licitação”, destacou.

Além disso, os informes do GAO e do inspetor-geral indicam que a BLM não contemplou a renda gerada pela Arch e pela Peabody com a exportação de carvão na hora de fixar o preço das minas, desvalorizando-os. A BLM não respondeu a tempo às perguntas da IPS para essa matéria. “Estão dando de presente acesso federal a um preço muito abaixo do que deveria ser. Portanto, o governo federal, e particularmente os Estados de Wyoming e Montana, estão sendo lesados”, ressaltou Sanzillo.

O GAO fez uma revisão semelhante nas licitações da bacia do rio Powder em 1983. Na época, a agência descobriu que o governo perdia US$ 100 milhões como resultado da subvalorização das concessões. Mas suas recomendações nunca foram implantadas. O último informe do GAO recomenda que a BLM use mais de um método para determinar o verdadeiro valor do carvão, tendo em conta os ganhos gerados pela exportação. Também sugere que a agência desenvolva mecanismos de supervisão e publique a informação sobre a suas licitações em seu site.

O Departamento do Interior avaliou essas recomendações, mas Sanzillo diz que a BLM é reticente em mostrar maior transparência. Além do custo econômico, a mineração do carvão tem um sério impacto ambiental na bacia do rio Powder, o que causa grande preocupação entre moradores e organizações ambientalistas nacionais. A bacia se converteu em “um dos mais significativos geradores de emissões de carbono nos Estados Unidos”, alertou Kelly Mitchell, ativista em temas de clima e energia da organização Greenpeace.

“Das emissões de carbono norte-americanas, 13% procedem da bacia do rio Powder”, disse Mitchell à IPS. Teme-se que as emissões totais da região continuem crescendo se a BLM continuar outorgando concessões a mais mineradoras. “Há cerca de cinco bilhões de toneladas de carvão federal nessa área para serem licitadas”, pontuou. “Se esse carvão for outorgado, vai liberar mais de 8,3 bilhões de toneladas métricas de dióxido de carbono, isto é, as emissões anuais de mais de 1,7 bilhão de automóveis”, ressaltou.

O Conselho de Recursos da Bacia do Rio Powder, organização ambiental de Wyoming, pediu à BLM que suspendesse as operações de mineração até que retifique suas falhas nos processos de licitação. A organização expressou preocupação tanto pelas implicações econômicas como pelo dano ambiental. “Defendemos que deve ser suspensa a licitação do carvão até serem abordados alguns dos impactos ambientais”, afirmou Shannon Anderson, do Conselho.

“Há impactos gerados pela redução da qualidade do ar, pela perda de água e pelo grande uso de nossos aquíferos, que são fontes primárias de água potável. Vimos drásticas perdas de superfície disponível para fins recreativos, como caça, trilha ou pastoreio”, detalhou Anderson. Wyoming responde por 40% de todo o carvão produzido nos Estados Unidos, e o governo federal é proprietário de 85% do mineral que existe nesse Estado. Isto converte Wyoming em um dos Estados mais atraentes para a indústria da energia na hora de procurar licitações.

No entanto, a oposição à concessão de terras públicas para a indústria aumentou nos últimos anos. O governo de George W. Bush (2001-2009) outorgou 41.600 hectares no Estado de Utah para a exploração de carvão e gás, o que desencadeou grande resistência pública. Segundo o GAO, 74% das concessões de terras públicas feitas para empresas de energia entre 2007 e 2009 foram questionadas pelo público dos Estados de Wyoming, Utah, Colorado e Novo México.

No começo de 2009, o governo de Barack Obama instruiu a BLM a não dar “preferência ao desenvolvimento do petróleo e do gás acima de outros usos” na hora de outorgar terras. Também começou a sugerir à indústria da energia quais terras eram mais adequadas para a mineração, perfuração ou fratura hidráulica (fracking), com o mínimo impacto ambiental. Porém, parece que a indústria está escolhendo as terras que mais convêm a elas, e as reformas não enfrentam a questão da subvalorização das licitações nem os temores pela degradação ambiental na bacia do rio Powder e em outras áreas do país. Envolverde/IPS

Bryant Harris

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