O Uruguai não é “pirata” por legalizar a maconha

Tuz O Uruguai não é “pirata” por legalizar a maconha

Diego Cánepa. Foto: Presidência do Uruguai

Viena, Áustria, 22/4/2014 – A decisão do governo uruguaio de regulamentar a produção, distribuição e venda de maconha, para combater o narcotráfico e abordar problemas de saúde pública foi condenada pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife). Raymond Yans, presidente desta agência da Organização das Nações Unidas (ONU), acusou as autoridades do Uruguai de terem uma “atitude pirata” diante das convenções do fórum mundial sobre as drogas.

O presidente uruguaio, José Mujica, promulgou, em 23 de dezembro, a lei 19.172 de regulamentação da maconha, mas sua entrada em vigor ocorre este mês, deixando todo o setor sob a órbita do estatal Instituto de Regulamentação e Controle da Maconha, criado por norma de 44 artigos. Diego Cánepa, pró-secretário da Presidência uruguaia, disse à IPS que regulamentar o mercado de maconha foi uma decisão correta para seu país.

IPS: O que lhe parece a Jife chamar seu país de “pirata” por legalizar o mercado da maconha?

DIEGO CÁNEPA: Bem, a Jife é apenas um organismo da ONU e é apenas uma opinião. Tem um mandato especial, e esse mandato não é decidir qual enfoque cada país deve adotar. Tivemos um debate sobre a correta interpretação das convenções da ONU sobre entorpecentes. Acreditamos, e tenho a evidência que o demonstra, que nossa interpretação é correta. Seguimos o espírito original da convenção e esperamos que o passo que demos seja o adequado para criar um controle melhor do mercado da maconha em nosso país. A proibição foi um grande erro nos últimos 40 anos, por isso acreditamos que um mercado da maconha rigidamente controlado é a melhor maneira de respeitar o espírito das convenções da ONU sobre as drogas.

IPS: Sentiu-se frustrado ao ouvir as pessoas de outros países dizerem que o que vocês fazem é errado, por exemplo, de países que têm um enfoque muito mais conservador em relação às drogas?

DC: Respeitamos muito todas as opiniões. É um debate aberto. Não pensamos que somos donos da verdade. Escutamos com muito cuidado as opiniões de outros países, mas defendemos nosso direito soberano de fazer o que pensamos ser correto para nosso próprio país e para nosso povo. E cremos que, quanto às políticas de saúde, esta é a melhor opção para o Uruguai. Não queremos ser um modelo para outros países, simplesmente pensamos que é o melhor para nós e defenderemos nosso direito de adotar essa opção. Mas estamos abertos ao debate e pensamos que a proibição não é a resposta, e há evidências esmagadoras de que é um erro. Não queremos ter esse tipo de política. Precisamos ter o direito a explorar o enfoque diferente em relação às drogas.

IPS: Se dentro de uns poucos anos vocês concluírem que a legislação não está funcionando como esperavam, ou não estão vendo os resultados que queriam em matéria de saúde publica, estariam dispostos a proibir novamente as drogas?

DC: Penso que a questão é outra. Antes de tudo, uns poucos anos não são suficientes. São necessários pelo menos oito, nove ou dez anos antes de se tirar conclusões. Precisamos reunir muitas evidências ao longo de um período prolongado para entender realmente quais efeitos está tendo essa política. Se olhar a saúde pública, a violência, o consumo de drogas, todas as evidências até agora nos mostram que, ao regulamentar o mercado e tornar visível o que até agora era um mercado invisível, é possível controlar melhor esse mercado e controlar o tráfico, e então há menos violência. Penso que se isso não ocorrer em dez anos então teremos outro debate. Mas não penso que voltaremos a proibir a maconha. Necessitaremos encontrar outra resposta.

IPS: Sente-se feliz quando vê que outros países fazem coisas semelhantes às que vocês fazem? Por exemplo, alguns Estados norte-americanos legalizaram a venda da maconha.

DC: Na realidade, o que fizeram no Colorado é muito mais do que nós fizemos. Ali você é livre para comprar e vender o que quiser. Eles têm um modelo diferente do nosso. Nos Estados Unidos, há18 Estados onde se pode comprar maconha com fins médicos. Mas isso é um eufemismo, porque sabemos que a maioria das pessoas usa maconha não com fins terapêuticos, mas com a desculpa terapêutica. Vemos que um Estado individualmente nos Estados Unidos opera dessa forma sem que haja um controle federal sobre ela, por isso é impossível não aceitar que existe um grande debate aberto, quando há diferentes países em todo o mundo adotando posturas distintas.

IPS: Pensa que outros países seguirão essa pegada e regulamentarão seus mercados de maconha?

DC: Realmente, não sei, e não é nosso objetivo que ninguém nos siga ou faça o que fazemos. Não queremos ser um modelo para outros países. Respeitamos as políticas de todos os demais, mas pensamos que esse é o melhor modelo para nosso país. Envolverde/IPS

Pavol Stracansky

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