Crise na Ucrânia torna tensas as relações entre Turquia e Rússia

Ucrania Crise na Ucrânia torna tensas as relações entre Turquia e Rússia

Bandeira da Ucrânia. Foto: Divulgação

Istambul, Turquia, 13/5/2014 – A crescente crise ucraniana coloca a Turquia em uma difícil posição diplomática. Ancara tem em jogo os compromissos com seus aliados ocidentais e seus parentes culturais, os tártaros da Crimeia, que se contrapõem à sua relação econômica e política com a Rússia. O dilema diplomático da Turquia se agravou no começo de maio, quando disparou a tensão entre os tártaros, de origem étnica turca, e Moscou, após a expulsão do líder tártaro Mustafá Jemilev, da península da Crimeia, recentemente anexada pela Rússia.

Os tártaros realizaram várias manifestações para que se levantasse a proibição contra Jemilev, mas os funcionários russos locais responderam com a ameaça de julgar os dirigentes tártaros e proibir as atividades do Mejlis, ou Congresso do Povo, o órgão representativo dos tártaros da Crimeia. Antes dos protestos, Jemilev buscou o apoio de Ancara. “Disse ao governo turco que tenho proibida minha entrada na Crimeia sob pretextos fictícios”, declarou Jemilev no dia 3 deste mês aos meios de comunicação de Kiev.

Ancara, definitivamente, intercedeu pelos tártaros, mas mediante uma declaração cuidadosamente redigida, o que indica que a Turquia não deseja irrigar seu poderoso vizinho russo. “Esperamos que o órgão legítimo dos tártaros da Crimeia receba o respeito que merece”, declarou o Ministério das Relações Exteriores turco no dia 5. O comunicado também criticava o desterro de Jemilev.

“A Turquia está tomando uma atitude cautelosa”, observou o especialista em política externa turca Sinan Ülgen, professor visitante do centro de pesquisa Carnegie, com sede em Bruxelas. “Por um lado, dá importância à integridade territorial dos Estados nação, tem parentesco com os tártaros da Crimeia e é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte” (Otan), acrescentou.

Segundo Ülgen, “por outro lado tem um profundo vínculo econômico com a Rússia e, além disso, há uma relação pessoal entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan. Por isso não se aventurou tanto como os Estados Unidos quanto à imposição de sanções contra a Rússia”. A cautela exibida em relação aos tártaros da Crimeia não é característica de Erdogan, que se orgulha de sua reputação de temerário, sobretudo quando se trata de defender os muçulmanos no estrangeiro.

Mas o governo turco afirma que sua estratégia com a Rússia está funcionando. Ancara cita como exemplo o decreto de Putin de 21 de abril, pelo qual reabilitou os tártaros reprimidos pelo ditador soviético Joseph Stalin e prometeu o “renascimento nacional, cultural e espiritual” dos grupos minoritários da Crimeia. Em uma medida interpretada como um gesto de boa vontade com Moscou, a empresa turca Turkish Airlines anunciou que reiniciará seus voos para a Crimeia no próximo mês.

Uma pesquisa sobre as supostas “extensas atividades ilegais” dos tártaros da Crimeia também gera dúvidas na Turquia sobre o enfoque adotado por Ancara. Jemilev “tem o potencial de se converter em uma pedra política no sapato para o governo” turco, opinou Semih Idiz, colunista especializado em diplomacia do jornal Taraf. “Erdogan disse que discutiu o tema com Putin e Moscou afirmou que terá mais cuidado a esse respeito, mas o líder dos tártaros da Crimeia está expatriado e, na verdade, não há nada que Ancara possa fazer”, acrescentou.

Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Turquia não pôde ser encontrado para falar a respeito.

O peso que Moscou tem sobre Ancara procede do gás natural. Em 2013, a Turquia recebeu cerca de 60% de suas importações de gás natural da Rússia, segundo a Agência Internacional de Energia. “Estou certo de que a Turquia não pode iniciar uma nova guerra fria”, afirmou Umut Uzer, professor-adjunto de relações internacionais da Universidade Técnica de Istambul. “O fato de a Turquia ser tão dependente do gás russo significa que Ancara definitivamente tem que levar isso em conta”, acrescentou.

Tudo faz prever que essa dependência continuará no futuro. “Como nossas centrais hidrelétricas fracassaram completamente na produção de eletricidade devido à seca, mesmo no verão, qualquer corte no fornecimento de gás pode ter um efeito drástico na economia turca”, alertou Atilla Yesilada, especialista em política da consultoria Global Source Partners, de Istambul.

A crise da Ucrânia faz com que os Estados da União Europeia (UE) procurem reduzir sua dependência energética da Rússia, o que dá a Ancara a oportunidade de ampliar seu papel como país de trânsito. O gasoduto Trans Anatólia, recém-inaugurado, atravessará a Turquia para transportar anualmente 16 bilhões de metros cúbicos de gás do Azerbaijão para Grécia, Itália e Bálcãs. Haveria mais projetos a caminho, se Ancara pudesse agir segundo seu desejo.

“A Turquia desejaria se converter em um centro regional energético”, explicou Emre Iseri, professor-adjunto de relações internacionais da Universidade de Izmir Yasar. Para a Turquia há dois obstáculos importantes que a impedem de realizar esses projetos de gasodutos: os altos custos e os interesses da Rússia. É claro que Moscou prefere manter sua forte posição energética na Turquia e na União Europeia.

Por exemplo, em abril, Alexander Medvedev, subdiretor da Gazprom, a empresa estatal russa e maior produtora mundial de gás natural, se reuniu com o ministro da Energia turco, Taner Yildiz, para considerar a ampliação das exportações da companhia para o território turco. A Turquia importa atualmente 26,610 bilhões de metros cúbicos de gás natural da Gazprom, o que a converte no segundo mercado da petroleira russa, atrás da Alemanha com 40,180 bilhões.

Em última instância, Putin poderia dobrar Ancara. “A pergunta crucial é o que Putin quer fazer”, pontuou Yesilada. “Pensa em permanecer só na Ucrânia oriental ou tem planos para o Cáucaso? Quer integrar novamente o Azerbaijão à esfera de influência da Rússia?”, perguntou. No momento, somente Putin sabe as respostas para essas perguntas. Segundo suas opções, a Turquia poderia se ver obrigada a endurecer o teor de suas relações com a Rússia. Envolverde/IPS

* Dorian Jones é jornalista independente que vive em Istambul. Este artigo foi publicado originalmente na EurasiaNet.org.

Dorian Jones

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