Pussy Riot protestam contra a narcofobia na Rússia

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Nadezhda Tolokonnikova e Maria Alyokhina (quarta e quinta a partir da direita), com ativistas da Fundação Andrei Rylkov para a Saúde e a Justiça Social em Moscou, pedem mudanças na política de mão dura contra os usuários de drogas na Rússia no Dia Internacional da Luta Contra o Uso Indevido e o Tráfico de Drogas. Foto: Fundação Andrei Rylkov

 

Moscou, Rússia, 30/6/2014 – Ativistas em Moscou protestaram contra a “tortura” aplicada pela justiça penal aos consumidores de drogas na Rússia, por ocasião do Dia Internacional da Luta Contra o Uso Indevido e o Tráfico de Drogas, celebrado no dia 26. Nadezhda Tolokonnikova e Maria Alyokhina, duas das integrantes do grupo de punk rock Pussy Riot, que em 2012 foram condenadas a dois anos de prisão por realizarem um protesto artístico em uma catedral de Moscou, criticaram na capital russa o tratamento “cruel e desumano” que o país dá aos consumidores de drogas.

Junto aos manifestantes em mais de 80 cidades de todo o mundo, que durante a jornada de luta pediram reformas na política antidrogas, as duas artistas se expressaram contra as torturas e os golpes que os consumidores recebem da polícia e dos carcereiros da Rússia, entre outros abusos. As autoridades consideram que a prisão é uma “cura para a dependência de drogas”, afirmaram.

Os consumidores “são párias, são desprezados, odiados, acusados por todos os problemas e punidos. Como a xenofobia e a homofobia, a narcofobia se converteu em um manto protetor para as autoridades”, afirmaram as integrantes do Pussy Riot.

Para ambas, “com a criação de uma imagem do inimigo, o sub-humano, o zumbi, e reforçando essa imagem na consciência pública, se justifica o tratamento desumano das pessoas dependentes de drogas em nosso país”. Elas acrescentaram que “a política contra as drogas na Rússia se baseia na tortura. Humilhação e a violação da dignidade humana é o que sofrem os dependentes em todas as partes, nos hospitais, nas prisões e em outras instituições do Estado”.

A Rússia aplica uma legislação repressiva contra as drogas, que inclui longas penas de prisão por posse ainda que de pequenas quantidades de narcóticos. As estatísticas oficiais indicam que um em cada seis detentos no país é consumidor de drogas e, segundo outras pesquisas, cerca de 30% dos usuários foram detidos em algum momento desde que começaram a consumi-las.

A polícia aproveita a síndrome de abstinência que sofrem enquanto estão detidos para conseguir confissões e declarações pela força, denunciaram os usuários. Os centros de detenção provisória carecem de serviços médicos para os dependentes e não há nem mesmo analgésicos para os que estão em abstinência. Os reclusos, em geral, sofrem péssima higiene, celas lotadas, brutalidade e doenças que são comuns nas prisões, mas os usuários de drogas são especialmente vulneráveis.

“As prisões russas são uma tortura em si mesmas. Os presos não recebem controle básico de infecções médicas, nutrição, etc., e têm seus direitos humanos violados, em geral. Mas os consumidores de drogas são mais vulneráveis do que os demais”, afirmou Anya Sarang, diretora da moscovita Fundação Andrei Rylkov para a Saúde e a Justiça Social, que se dedica a conscientizar sobre essa problemática.

“Por exemplo, muitos são portadores de HIV, vírus causador da aids, mas não só têm problemas para obter seus medicamentos ou iniciar o tratamento devido, como também não recebem os controles necessários de seu sistema imunológico, e sua dieta é má e sempre existe o risco de infecção, como a tuberculose”, acrescentou. Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outros organismos revelaram que uma pessoa com HIV tem 25 vezes mais probabilidades de contrair tuberculose nas prisões russas do que fora delas.

Outro problema é o acesso a drogas duras que são introduzidas de contrabando nas prisões, o que permite que os presos tenham contato substâncias perigosas, como a heroína, que talvez não consumissem antes. Os ativistas dizem que esaa é mais uma prova de como a punição do consumo perpetua e agrava o problema.

“Sabemos por estudos que o contato com o sistema de justiça penal se associa com um uso maior de drogas injetáveis e outras condutas semelhantes, entre outros problemas”, disse à IPS Michel Kazatchkine, enviado especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre HIV/aids na Europa oriental e Ásia central. “Prender os consumidores de drogas agrava as coisas, não só nas prisões, como também para a sociedade quando são soltos”, afirmou.

A terapia de substituição de opiáceos é recomendada pela OMS e aplicada em muitos países ocidentais, mas é proibida na Rússia apesar de sua aplicação conseguir reduzir a propagação do HIV/aids. A pandemia na Rússia é uma das de maior crescimento no mundo, impulsionada historicamente pelo uso de drogas injetáveis, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e Aids. Em 2013, foram registrados 78 mil casos novos de HIV, contra 69 mil em 2012 e 62 mil em 2011.

O consumo de drogas cresce rapidamente. Segundo o Serviço Federal de Controle de Drogas, em 2013, havia 8,5 milhões de viciados, contra 2,5 milhões em 2010. Neste país, que é o maior consumidor de heroína do mundo, morrem até cem mil cidadãos por ano pelo consumo abusivo, destacou o órgão.

Tolokonnikova e Alyokhina afirmaram que só uma reforma da política contra as drogas que inclua a despenalização melhorará a situação nas prisões. Mas as declarações das autoridades russas nos últimos meses reafirmam seu compromisso com a política de mão dura.

“Não vejo nenhum indício de flexibilização com as drogas na Rússia. O que vejo é o endurecimento da forma com a sociedade percebe os grupos marginalizados, como os usuários de drogas, os homens que fazem sexo com homens, as pessoas da diversidade sexual, etc.”, pontuou Kazatchine à IPS. “Nos fatos, a Rússia penaliza o consumo de drogas”, acrescentou. Envolverde/IPS

Pavol Stracansky

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