Alepo luta para sobreviver ao assédio do governo sírio

aleposiria Alepo luta para sobreviver ao assédio do governo sírio

Um adolescente sírio com pão de uma padaria subterrânea na zona severamente danificada de Alepo em poder da oposição. Agosto de 2014. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

Alepo, Síria, 12/8/2014 – A única estrada pela qual ainda pode entrar suprimentos na zona oriental de Alepo, a maior cidade da Síria, em poder das forças insurgentes, está extremamente danificada e exposta ao fogo inimigo. Todos os caminhões que levam trigo às padarias subterrâneas, sabão, combustível para veículos e geradores viajam por essa rota. Os franco-atiradores concentram a atenção nessa via e em outras frentes nesta cidade de 2,1 milhões de habitantes, enquanto o governo do presidente Bashar al Assad reduz o resto da cidade a escombros com suas constantes bombas-barril.

Embora muitas áreas da cidade estejam sob controle da moderada Frente Islâmica, a El Jabhat al Nusra (Frente de Apoio), relacionada com a rede islâmica Al Qaeda, ajuda a atender as necessidades básicas da região onde não consegue fazê-lo a desfinanciada administração do opositor Conselho Nacional Sírio. A IPS observou como membros do grupo armado dividiram, entre os habitantes que estão sem eletricidade nem água há meses, blocos retangulares de gelo de um metro de comprimento, deslizando-os previamente por tubos de metal.

“São boa gente”, disse um morador, que, no entanto, fora detido por esses mesmos homens há alguns meses por motivos não divulgados. “São amigos”, acrescentou. Mas, em particular, muitos sírios dizem que não estão contentes com o grupo, embora não seja “nem de longe tão ruim como Daeesh”, uma referência ao Estado Islâmico, antes conhecido como Isis.

O interior dos escritórios municipais de Alepo, recém-pintado de branco e com arquivos vermelhos, marca um forte contraste com os prédios derrubados e os blocos de cimento precariamente suspensos sobre as ruas onde os moradores que restam prosseguem com suas tarefas diárias como podem. “Nos atacaram muitas vezes, mas temos que demonstrar que vamos continuar reconstruindo”, disse um funcionário.

O chefe municipal Abdelaziz al Maghrebi, ex-professor e gerente de uma fábrica têxtil, caminha com dificuldade por causa da lesão causada por um projétil disparado por um tanque e que não recebeu tratamento adequado. O município tem a seu cargo o registro civil, a educação, os assuntos legais e a defesa civil de Alepo, e conta com um escritório encarregado da eletricidade, da água, do esgoto e do lixo, mas raramente recebe dinheiro do “governo no exílio”, explicou Mohammed Saidi, gerente financeiro do município.

“A quantidade de dinheiro recebida depende do mês, e em julho não recebemos nada do Conselho Nacional Sírio”, contou Saidi. As denúncias sobre desvio de dinheiro público por funcionários “são falsas”, afirmou. Os doadores e as fundações privadas têm um papel importante no orçamento do Conselho, e “o financiamento depende das propostas de projetos que são aceitos”, acrescentou. Há quatro meses foi autorizada a construção de abrigos subterrâneos e até agora foram construídos 16, disse à IPS o diretor da Defesa Civil da cidade.

Ibrahim Aljalil, diretor de saúde das zonas de Alepo em poder dos insurgentes, explicou que, devido aos ataques contínuos contra o pessoal médico e os hospitais, foi preciso “manter em segredo e mudar com frequência” a localização das instalações de saúde.

Este médico sírio, que quase sempre exerceu sua profissão na Arábia Saudita e só regressou após o começo da sublevação, disse que os antibióticos, a água, eletricidade e pessoal capacitado são escassos ou inexistentes. E acrescentou que a falta de manutenção dos veículos e o terrível estado das ruas implicam que muita gente morra simplesmente por não poder chegar aos poucos centros médicos existentes.

Por outro lado, o município só pode fornecer fundos para alguns serviços médicos que não recebem ajuda de outros doadores, disse à IPS o chefe comunitário Al Maghrebi. Mas não haverá suprimentos que bastem para resolver o problema principal se “antes não se impedir que o regime continue matando e ferindo”, disse Aljalil se referindo ao governo de Assad.

Durante a noit,e o motorista de um caminhão, com luzes apagadas para não chamar a atenção dos aviões das forças armadas sírias, abre caminho pelas ruas de um bairro central com o grito de “Haleeb” (leite). Os franco-atiradores dispararam contra várias crianças da área enquanto atravessavam uma rua, que agora está “protegida” por uma tela crivada de balas para reduzir a visibilidade.

No distrito de Salahheddin, a “primeira zona liberada de Alepo” e cujo nome adquiriu um ar de status mítico para alguns, as crianças riem e jogam futebol na rua vazia perto da frente de combate, depois do anoitecer. A poucos passos, o sangue de um menino baleado recentemente por um franco-atirador ainda mancha o chão.

Apesar do risco constante dos franco-atiradores do governo, frequentemente as zonas próximas da primeira linha de combate são os “lugares mais seguros, já que estão muito perto das áreas do regime para que possam lançar bombas-barril”, disseram à IPS. “Por que veio aqui? O que mais há para contar?”, perguntou à IPS um rapaz sardento e ruivo, de aproximadamente 20 anos.

O jovem trabalha para que organizações beneficentes estrangeiras ajudem sua organização a fornecer US$ 50 por mês e pacotes de alimentos para as viúvas e os órfãos mais necessitados dos homens que caíram em combate. No final de julho, uma bomba-barril que caiu diante do escritório da organização humanitária matou um de seus amigos e companheiro de trabalho.

Agora há sacos de areia empilhados diante das janelas e, segundo outro voluntário, mais da metade do pessoal fugiu imediatamente após o incidente para outras partes do país ou para a Turquia. Ou simplesmente deixaram de ir ao escritório por medo, ponderou uma mulher vestida com um “nicab”’ (véu que cobre o rosto só mostrando os olhos), que também trabalha na organização.

A organização tem uma padaria subterrânea que fornece pão aos necessitados, mas alguns dias antes da visita da IPS o equipamento de trabalho havia quebrado. Não se sabia quando seria consertado, se poderiam trazer para Alepo as peças de reposição, nem se as forças do governo se apoderariam da única rota de abastecimento que resta à cidade. Envolverde/IPS

Shelly Kittleson

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *