A Otan muda chefe mas reafirma a linha dura contra a Rússia

Fredrik S. Heffermehl A Otan muda chefe mas reafirma a linha dura contra a Rússia

Fredrik S. Heffermehl. Foto: IPS

Oslo, Noruega, setembro/2014 – A Cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), realizada em Gales nos dias 4 e 5 deste mês, confirmou que o social-democrata Jens Stoltenberg, ex-primeiro-ministro da Noruega (2000-2001 e 2005-2013), assumirá o cargo de secretário-geral da instituição em 1º de outubro.

Estamos vivendo em um período que clama ansiosamente por uma redução da temperatura nas relações internacionais, mas Stoltenberg não parece ser a pessoa indicada para inovar, repensar e reformar a aliança militar. É mais provável que tenha sido eleito porque é considerado um leal executor das políticas ditadas pela cúpula da organização.

Longe de ser um espírito livre e visionário, Stoltenberg é um executivo e um organizador que faz todo o necessário para alcançar o objetivo fixado. Por isso, temo que o novo secretário-geral aplicará com perigosa eficiência a expansiva, agressiva e conflitante política programada pela Otan sobre o tema principal da agenda de Gales: a contenção da Rússia.

Meu compatriota Stoltenberg é um economista que, exceto durante um período de trabalho no Departamento Central de Estatísticas da Noruega, sempre atuou em política, embora seja escassa sua experiência em assuntos de segurança ou política externa.

O Partido Trabalhista Norueguês tem uma longa tradição de lealdade com Washington. Oslo sempre procurou ser o melhor aluno de Washington. Este país rico em petróleo pôde manter seu orçamento militar em um período em que outras nações tinham que reduzi-lo.

Um antecedente que pode ter ajudado para sua eleição à frente da Otan é que, em 2011, a Noruega assumiu as missões mais ofensivas no bombardeio realizado contra a Líbia.

A participação da Noruega foi o resultado de um forte desempenho pessoal de Stoltenberg. Segundo seus críticos, em sua pressa enviou uma flotilha de F16 violando o preceito constitucional que exige a prévia aprovação do Parlamento.

O novo secretário-geral se limitou a uma série de consultas telefônicas com os líderes de outros partidos. Por isso, essa intervenção militar é chamada de “a guerra decidida pelo telefone”, ao mesmo tempo em que se destaca por transgredir o mandato da Organização das Nações Unidas (ONU) de proteger a população civil.

Agora, Stontenberg, de 55 anos, enfrenta uma investigação por comportamento ilegal diante do Parlamento, mas é improvável que isto lhe custe algumas noites sem dormir.

A razão é a falta de desacordo que existe na Noruega sobre a política externa. O amplo consenso reinante em temas de defesa e política de segurança garante que ações questionadoras da relação com os Estados Unidos e a Otan estejam destinadas ao fracasso.

No caso de o Parlamento não punir Stoltenberg, existe a possibilidade de ser apresentada uma acusação por crimes de guerra junto ao Tribunal Penal Internacional de Haia.

Chama a atenção um norueguês suceder um dinamarquês no cargo, já que o secretário-geral em fim de mandato, Anders Fogh Rasmussen, dirige a Otan desde 2009.

É possível que a nomeação de secretários-gerais nórdicos tenha a ver com o fato de dois países da mesma região, Suécia e Finlândia, manterem sua tradicional neutralidade apesar de constantes esforços e pressões para incorporá-los à organização.

Como o ex-chefe da Otan, Javier Solana (1995-1999), da Espanha, Stoltenberg abandonou as convicções de sua juventude, quando era um ferrenho opositor à Otan, regressando, assim, à tradição familiar. Seu avô foi um militar e seu pai foi ministro da Defesa e das Relações Exteriores.

Durante os oito anos de mandato de Stoltenberg, a política militar girou de um enfoque centrado na defesa nacional para a participação em intervenções internacionais da Otan. Nesse período, assistiu-se na Noruega uma acentuada militarização da mentalidade e da cultura.

É uma situação alarmante, já que não só envolve nosso país em guerras externas como nos proporciona uma persistente propaganda militarista. São publicados inúmeros anúncios sobre as forças armadas e chegou-se a distribuir nos jornais suplementos de 60 páginas nos quais os militares glorificam a si mesmos.

Os que esperavam que com o fim da Guerra Fria a anacrônica instituição Otan seria dissolvida para deixar um mundo menos violento têm motivos para se sentirem desiludidos.

Um comunicado de imprensa divulgado pela Otan em junho diz claramente o que podemos esperar do secretário-geral Stoltenberg:

“Enquanto o senhor Stoltenberg foi primeiro-ministro, o orçamento da Defesa da Noruega cresceu constantemente, com o resultado de ser hoje um dos países com maior gasto de defesa por habitante. O senhor Stoltenberg trabalhou decisivamente para transformar as forças armadas norueguesas, dotando-as de forte capacidade de deslocamento rápido. Sob sua liderança, o governo norueguês contribuiu com forças militares para várias operações da Otan”.

Parece claro que Stoltenberg não foi chamado para reformar a organização, mas para reforçá-la, talvez com a incorporação de dois novos membros nórdicos. Envolverde/IPS

* Fredrik S. Heffermehl é membro da direção da Associação Internacional de Advogados Contra as Armas Nucleares e autor do livro The Nobel Peace Prize. What Nobel Really Wanted (O Nobel da Paz. O Que Nobel Realmente Queria). Artigo editado por Pablo Piacentini.

Fredrik S. Heffermehl

Fredrik S. Heffermehl, a Norwegian lawyer, is Vice President of the International Peace Bureau, member of the International Vanunu Committee and author of ''Peace is Possible''

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