Chefes locais aliam-se contra a mortalidade materna no Níger

niger Chefes locais aliam se contra a mortalidade materna no Níger

O chefe Yahya Louche, do povoado de Bande, no Níger, fala com sua comunidade sobre a importância da saúde materna e da participação dos homens. Foto: Joan Erakit/IPS

 

Bande, Níger, 15/9/2014 – Percorrer o trajeto entre Niamey, a capital do Níger, e a localidade de Bande demora 14 horas de automóvel. A viagem fica mais longa ainda pela monotonia da paisagem nua. Esse país, seco e quente, onde são constantes as tempestades de areia, é muito vulnerável a criminalidade, secas e problemas fronteiriços. De tempos em tempos, avista-se um rebanho, o que causa assombro e entusiasmo ao mesmo tempo, pois não há árvores nem poços de água à vista.

Com uma população de 17,2 milhões de habitantes, 80% deles vivendo em zonas rurais e 50% não tendo serviços de saúde, reduzir a mortalidade materna é um grande desafio. A IPS viajou até Bande com um grupo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) para visitar um centro educacional único: a Escola de Maridos. Uma iniciativa original em um continente onde a participação dos homens na saúde materna não é a normal e, de fato, não costumam estar presentes durante a gravidez nem no parto.

Com apoio do UNFPA, a escola foi fundada em 2011 e tem 137 dependências na região de Zinder. Os membros são homens casados com idades entre 25 e 50 anos, embora agora também se convide para as reuniões os mais jovens, para aprenderem com os mais velhos. É um espaço para falar sobre os benefícios do planejamento familiar e da saúde reprodutiva, bem como para promover maior participação dos homens.

Quando a IPS chegou ao povoado, aproximou-se do veículo um grupo de músicos seguidos pelo chefe tradicional, Yahya Louche, rodeado por seus conselheiros e de sua segurança, que freneticamente afastava com galhos as crianças curiosas. “Sou membro da Escola de Maridos”, contou à IPS. “Não há professores nem estudantes. Ninguém cobra, trabalham pelo bem da população”, afirmou o chefe.

No centro de saúde perto da casa de Louche a IPS viu chegar uma jovem muito fraca, que caminhava com dificuldade para a sala de maternidade. Mal podia manter contato visual, enquanto duas amigas a seguravam pelos braços. Essa mulher pariu em casa e foi forçada a caminhar vários quilômetros em busca de ajuda porque não parava de sangrar, em uma emergência obstétrica conhecida como hemorragia pós-parto.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse problema é responsável por 25% da mortalidade materna. Sem exames pré-natal, aumentam as probabilidades de complicações durante a gravidez ou no parto, as quais muitas vezes causam a morte da mulher. A mortalidade materna em Níger, segundo o Banco Mundial, é de 630 mulheres em cada cem mil nascidos vivos.

“Antes da Escola de Maridos, as mulheres não queriam parir nos centros de saúde, queriam ficar em casa e ali terem seus filhos”, contou Louche. No país, as mulheres costumam não demonstrar a dor nem o incômodo e preferem parir em silêncio. Não emitem sons na hora do parto e somente seus rostos refletem as dores.

A parteira Doudou Aissatoo disse à IPS que é importante haver serviços de planejamento familiar e saúde reprodutiva disponíveis, porque as mulheres costumam caminhar vários quilômetros até chegarem aos centros de saúde, e quando não são atendidas ou não encontram o que precisam partem de volta e demoram muito tempo para retornar. “Seja sábado ou domingo, se uma mulher chega ao centro de saúde tem de ser atendida”, destacou.

Segundo a tradição, quando um jovem sai de sua casa paterna em busca de melhores pastagens sabe que provavelmente chegará o dia em que tenha de regressar para assumir a chefia de sua comunidade. O chamado para ser chefe não pode ser rejeitado, pois é interpretado como uma vergonha para seus ancestrais.

Por essa razão, em Níger os chefes têm diferentes profissões e muitos são médicos, diplomatas e professores. Os chefes tradicionais são os líderes mais importantes do país. Até mesmo os governantes apelam aos seus conselhos antes de tomarem uma decisão importante. Sem sua bênção, assume-se que o caminho será difícil.

O escritório do UNFPA no país compreendeu o papel dos chefes tradicionais e aliou-se a eles para promover a saúde e os direitos das mulheres. Em 2012, esses chefes assinaram um acordo com o UNFPA para promover o acesso das mulheres à saúde. Então, “nos comprometemos como organização a trabalhar com o UNFPA para reduzir o crescimento demográfico, formar parte das atividades de sensibilização e melhorar a saúde reprodutiva”, explicou Louche.

Ao ser consultada se gosta que seu marido participe da escola, a aldeã Fassouma Manzo, respondeu alegre: “muito”. “Antes da Escola de Maridos, os homens não falavam com suas mulheres. Mas agora há um tema no qual estão muito interessados. Como mulher, agora se pode encontrar um espaço em que se pode falar e compartilhar com seu marido. É um grande beneficio secundário”, afirmou, em meio a aplausos.

Louche é um chefe carismático que fala muito com sua gente e realmente acredita que com a participação dos homens se foca nas mulheres. A Escola de Maridos não destaca apenas a importância de buscar assistência médica profissional durante a gravidez, mas promove a compreensão entre homens e mulheres, o que cria um ambiente de harmonia entre ambos. Envolverde/IPS

Joan Erakit

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