Banco Mundial desampara os que se opõem aos seus projetos

O Banco Mundial aumentou o apoio financeiro ao setor algodoeiro do Uzbequistão, embora existam provas de que se baseia em um sistema de trabalho forçado. Foto: David Stanley/CC-BY-2.0

O Banco Mundial aumentou o apoio financeiro ao setor algodoeiro do Uzbequistão, embora existam provas de que se baseia em um sistema de trabalho forçado. Foto: David Stanley/CC-BY-2.0

Por Kanya D’Almeida, da IPS – 

Nações Unidas, 24/6/2015 – Um informe da organização Human Rights Watch (HRW) conclui que o Banco Mundial ignora sistematicamente as denúncias de abusos contra os direitos humanos vinculados aos projetos que essa instituição financeira multilateral com sede em Washington financia. No papel, tanto o Banco Mundial como sua sucursal de empréstimo ao setor privado, a Corporação Financeira Internacional (CFI), se comprometem a consultar e proteger as populações afetadas pelos projetos que financiam.

Porém, uma pesquisa realizada entre maio de 2013 e maio deste ano no Camboja, Índia, Quirguistão e Uganda, que consta do informe da HRW, intitulado Por seu Próprio Risco, concluiu que os funcionários do Banco ignoram sistematicamente as denúncias de represálias severas contra os que se manifestam contrários aos projetos financiados pela instituição. Em alguns casos, o Grupo do Banco Mundial inclusive omite dar assistência a integrantes do pessoal local que trabalha com seus funcionários.

A autora do informe, Jessica Evans, destacou em entrevista coletiva no dia 22, um incidente no qual um intérprete do Painel de Inspeção do Banco Mundial, o órgão de controle das Instituições Financeiras Internacionais (IFI), foi enviado à prisão poucas semanas depois de o Painel concluir seu processo de revisão.

Sem mencionar a identidade da vítima para proteger sua segurança, Evans disse que, além de interrogar funcionários governamentais “a portas fechadas”, o Banco mantém completo silêncio sobre a sorte do ativista independente que trabalha para fortalecer o próprio processo da instituição. Esse tipo de ação, ou omissão, “burla o compromisso declarado do Banco com a participação e prestação de contas”, afirma o documento.

A HRW identificou dezenas de casos em que ativistas afirmam ter sofrido assédio, maus tratos, ameaças ou intimidação por expressarem suas objeções diante de iniciativas financiadas pelo Bancou ou pela CFI por motivos sociais, ambientais ou econômicos.

Como as populações próximas dos grandes projetos de desenvolvimento tendem a ser muito pobres ou vulneráveis, e, portanto, não têm a possibilidade de apresentar formalmente suas denúncias, o número real de pessoas que sofreu esse tipo de represália “certamente” é muito maior do que o que consta do informe, ressaltaram os investigadores.

“Com respeito ao tema das represálias, o silêncio e a falta de ação do Banco Mundial já cruzaram a linha” para o âmbito da cumplicidade, apontou Evans à IPS. O Painel de Inspeção apresentou a questão das represálias em 2009, o que deu tempo de sobra ao Banco Mundial para tomar as medidas necessárias a fim de remediar o problema crônico e generalizado, acrescentou.

Por outro lado, seguem se relacionando com governos que têm maus antecedentes em matéria de direitos humanos, enquanto faz ouvidos de surdo às pressões e demandas da sociedade civil para fortalecer mecanismos que protejam as comunidades indefesas e marginalizadas das represálias violentas.

Um exemplo é o caso de Elena Urlaeva, que dirige a Aliança de Direitos Humanos do Uzbequistão, com sede em Tashkent, e que foi detida em um campo de algodão no dia 31 de maio deste ano, enquanto documentava o sistema de trabalho forçado que o governo do país aplica na produção algodoeira.

Segundo a HRW, Urlaeva foi presa e sofreu abuso sexual durante uma exploração extremamente violenta de suas cavidades físicas. Médicos e policiais do sexo masculino, em busca de um cartão de dados de sua câmera, realizaram um procedimento tão invasor que a fizeram sangrar. Ela foi proibida de usar o banheiro e obrigada a deixar a delegacia na presença de policias que a chamaram de “puta” e a filmaram enquanto fazia suas necessidades. Depois ameaçaram divulgar o vídeo na internet se denunciasse o tratamento sofrido.

Evans recordou à IPS que tudo isso aconteceu no contexto do aumento do apoio do Banco Mundial ao setor algodoeiro do Uzbequistão. A instituição já comprometeu US$ 450 milhões para financiar três grandes projetos agrícolas do governo, embora existam provas de que o setor se baseia em um sistema de trabalho forçado.

Como não existe um mecanismo sólido dentro do Banco Mundial para fazer com que seu financiamento atenda às normas internacionais de direitos humanos, há um “risco real” de os observadores independentes e ativistas continuarem sofrendo situações tão violentas como a de Urlaeva, ressaltou Evans.

O Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU) passam entre si, de um fórum a outro, a responsabilidade pela violação dos direitos humanos relacionados com o desenvolvimento.

Em seu informe de maio deste ano para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o relator especial sobre a extrema pobreza e os direitos humanos, Philip Alston, criticou as tentativas de vários Estados membros de manter a economia, as finanças e o comércio internacional “em quarentena” no contexto dos direitos humanos. O funcionário australiano criticou as IFI por contribuírem para essa cultura da impunidade.

“O Banco Mundial pode simplesmente se negar a se comprometer com os direitos humanos no contexto de suas políticas e seus programas, o Fundo Monetário Internacional faz o mesmo, e a Organização Mundial do Comércio não é muito diferente”, explicou Alston, acrescentando que esses organismos passam o problema ao Conselho de Direitos Humanos, e este o devolve ao campo financeiro.

“Não se pode ter um desenvolvimento próspero sem uma participação sólida da sociedade civil para fixar as prioridades de desenvolvimento, desenhar projetos e supervisionar sua aplicação”, pontuou Gretchen Gordon, coordenadora da organização Bank on Human Rights, uma aliança mundial de movimentos sociais que trabalham para que as IFI cumpram suas obrigações de direitos humanos.

Segundo Gordon, se os bancos e seus Estados membros não assumem a liderança e implantarem os protocolos e as políticas necessárias, “continuarão experimentando o aumento dos fracassos em matéria de desenvolvimento, os abusos de direitos humanos e os conflitos”.

Embora os investigadores da HRW tenham procurado a colaboração do Banco Mundial e da CFI, enviando-lhes uma série de perguntas em abril, receberam apenas uma “resposta insossa” que não abordou a questão das represálias e se limitou a dizer que o Banco “não é um tribunal de direitos humanos”.

Evans declarou que “esperava uma conversação muito construtiva com o Banco Mundial. Mas tudo o que ouço são respostas vazias. Propusemos recomendações muito pragmáticas sobre a forma como o Banco pode trabalhar com eficácia em contextos difíceis, mas estamos muito longe disso”.

Tanto o Painel de Inspeção do Banco Mundial como o Assessor em Cumprimento/Omdubsman da CFI receberam o informe da HRW com entusiasmo, mas são organismos independentes e sem o poder necessário para conseguir uma mudança real no Grupo do Banco Mundial. Esse poder está com o presidente da instituição, Jim Yong Kim, que terá de “tomar a iniciativa de enviar uma mensagem clara ao seu pessoal ressaltando que a questão das represálias é um tema prioritário”, concluiu Evans. Envolverde/IPS

Kanya D'Almeida

Kanya D'Almeida is a Sri Lankan journalist, currently based in Washington D.C. Kanya joined IPS as a United Nations correspondent in October 2010, where she covered the Millennium Development Goals with a strong focus on gender and ecological justice in Asia, Africa and the Middle East and the problems of neocolonial development in the global South. As IPS's Washington, D.C. correspondent, she monitors the global impacts of the Bretton Woods institutions, United States economic and foreign policy in the global South, the actions of transnational corporations and both national and international ecological crises. Kanya earned her B.A. from Hampshire College in Amherst, Massachusetts, where she completed a double major in political science and fiction writing, and produced a book of essays and short stories on women and war in Sri Lanka. She is currently a member of Scientific Soul Sessions, in Harlem, New York.

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