Selo para a agricultura familiar argentina

Um box do Mercado de Economia Solidária Bonpland, no bairro Palermo Hollywood, em Buenos Aires. Vendedores e consumidores dessa iniciativa poderão se beneficiar com o selo argentino Produzido pela Agricultura Familiar. Foto: Fabiana Frayssinet

Um box do Mercado de Economia Solidária Bonpland, no bairro Palermo Hollywood, em Buenos Aires. Vendedores e consumidores dessa iniciativa poderão se beneficiar com o selo argentino Produzido pela Agricultura Familiar. Foto: Fabiana Frayssinet

Por Fabiana Frayssinet, da IPS – 

Buenos Aires, Argentina, 10/8/2015 – Pode cair um dilúvio na capital da Argentina, mas os consumidores argentinos não deixam de ir ao Mercado de Economia Solidária Bonpland, onde alguns agricultores familiares vendem seus produtos. Agora o governo decidiu lhes conceder um selo para identificar e fortalecer esse setor fundamental como fornecedor de alimentos.

Norma Araújo, seu marido e seu filho chegam atrasados ao mercado, no bairro Palermo Hollywood, porque a forte chuva havia transformado em lama os caminhos de terra onde têm sua horta, no município de Florencio Varela, a 38 quilômetros de Buenos Aires. Acomodam rapidamente as frutas e verduras enquanto chegam os primeiros clientes ao velho galpão, fechado como mercado comercial devido à crise econômica de 2001.

Agora, 25 boxes oferecem produtos de organizações sociais, indígenas e camponesas, realizados “sem trabalho escravo” e sob as normas do “comércio justo”. “A qualidade das nossas verduras é totalmente natural. Não tem nada de agrotóxico”, contou Araujo à IPS. Ela integra a Cooperativa de Produtores Familiares de Florencio Varela, que também vende frangos, ovos, coelhos e leitões.

Em frente ao ponto de Araujo, Analía Alvarado oferece mel, doces caseiros, queijos, sementes nutritivas, cereais, sucos naturais, óleo de oliva, pão integral, erva mate orgânica e lácteos. “A ideia é dar possibilidade a pequenos produtores, e aqui temos de todo o país, que de outra maneira não teriam como vender seus produtos”, destacou.

O Ministério de Agricultura, Pecuária e Pesca deu mais um passo nessa direção, com a criação em julho do selo Produzido pela Agricultura Familiar, a fim de “fortalecer a visibilidade e informar e conscientizar sobre a significativa contribuição da agricultura familiar à segurança e à soberania alimentar”. Segundo o Ministério, o setor conta com 120 mil famílias, e o reconhece “como principal fornecedor de alimentos da população argentina, por oferecer aproximadamente 70% da dieta diária de consumo de alimentos”.

“Um selo identificando o produto gera, além de visibilidade, um diálogo entre os consumidores e o setor de produção que se mantém no campo, que tem presença ao longo do país, gerando soberania territorial”, explicou Raimundo Laugero, diretor de Programas e Projetos da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério. O governo define como agricultura familiar aquela produzida por camponeses, chacareiros, comunidades de povos indígenas, pescadores artesanais, trabalhadores rurais sem terra, colonos, meeiros, artesãos, minilatifundiários, produtores urbanos e periurbanos.

O selo identificará essa origem, disse Laugero à IPS. Além disso, “garantirá o controle sanitário, a produção sem agroquímicos ou industrializados e a produção com diversidade, contrária às monoculturas, detalhou. “Quando falamos de um produto da agricultura familiar, o atributo simbólico tem a ver com processos artesanais, onde há o trabalho da família, e um aspecto fundamental é que por trás desse produto há pessoas que vivem no campo”, afirmou o diretor.

Nesse país de 43 milhões de habitantes, o setor agropecuário representa um dos pilares de sua economia, representando 13% do produto interno bruto, 55,8% de suas exportações e 35,6% de seus empregos diretos e indiretos.

A farmacêutica María José Otero chega de longe ao mercado em sua bicicleta, mas não lamenta. Quer uma alimentação para sua família que “seja a mais saudável e natural possível, sem produtos químicos”. Também escolhe esse mercado por uma “questão social”. Quer favorecer quem produz “alimentos naturais sem tanta industrialização”, evitando também “intermediários que encarecem muito os produtos”.

Otero disse que “também me interessa muito o impacto que causa o ato de consumir com consciência. Isso implica o cuidado com o ambiente no qual se trabalha e o respeito aos animais. Não é o mesmo consumir ovos de animais que caminham e comem naturalmente e consumir animais tratados cruelmente, lotando galpões, alimentados de qualquer maneira”.

Para Ortero, o selo é “genial. Porque nisso também há muita enganação de gente que diz que te vende um produto orgânico e não é verdade. Esse selo nos dá uma garantia”. Alvarado disse que o selo “servirá, antes de tudo, para que o público tome consciência do que é ajudar um pequeno produtor. Que perceba que o que paga e consome realmente vá para ele, e que aquele que trabalha realmente seja pago devidamente”.

Laugero destacou que também há um aspecto “sobressalente” no novo selo, vinculado aos “sistemas de garantia de participação para os produtores agroecológicos”. Recordou que, habitualmente, quando um produtor quer um selo que reconheça seu produto, tem que apelar para uma empresa certificadora, enquanto o conceito “agroecológico” tem outros componentes.

Nesse sentido, Laugero mencionou seis experiências-piloto na Argentina, de sistemas de garantia de participação em processos agroecológicos, entre produtores organizados e consumidores, aos quais agora se somará o Estado. “Com a proposta do selo, terão muito mais força porque será mais maciço e inclusivo”, ressaltou.

No mercado de Bonpland, Claudia Giorgi, integrante da cooperativa La Asamblearia, que funciona em rede com outras organizações sociais, prepara o envio de alguns produtos para outra província, que serão entregue no mesmo frete para economizar recursos. Ela produz geleia de papaia e também vende produtos de outras cooperativas, como cosméticos naturais, sabonete de lavanda, ervas medicinais, chá sem pesticidas, mostarda e farinhas.

“O que é produzido em cada organização social se troca com a de outra, ao preço de cada uma, que é o custo dos produtores mais os gastos com logística”, explicou Giorgi à IPS. A cooperativa diz que ainda não tem informação sobre o selo, mas adianta que servirá para demonstrar “ser funcional” e se diferenciar daqueles “que são um negócio e têm um custo”.

A resolução que cria o selo diz, precisamente, que um de seus objetivos é “divulgar e promover novos canais de comercialização e pontos de venda”. Laugero lembrou que, além de contribuir com 20% do PIB agropecuário, a agricultura familiar representa 95% da produção caprina, 22% da bovina, 30% da ovina, 33% do mel, 25% de frutas, 60% de hortaliças e 15% dos grãos.

Em seu caso, Araujo destacou a solução de problemas ainda mais simples, como a de poder transportar suas hortaliças até o mercado, mesmo chovendo. “Precisam arrumar os caminhos de terra”, afirmou, explicando que é uma tarefa da qual os produtores se oferecem para participar.

Selos Mercosul

O novo selo argentino faz parte de um esforço coletivo do Mercosul (Mercado Comum do Sul), que começou a trabalhar nesse instrumento há quatro anos, no âmbito da Reunião Especializada da Agricultura Familiar (Reaf), explicou Raimundo Laugero.

O Brasil – integrante do Mercosul junto com Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela – foi pioneiro no bloco a contar com um selo indicativo para a produção do setor, criado em 2009 e normatizado em 2012, explicou a Reaf no final de julho.

A Reaf, da qual também participam Bolívia, Chile e Equador e que congrega governos e organizações da agricultura familiar, acrescentou que o Chile concretizou em junho seu próprio selo, Mãos Camponesas, para produtos de “origem camponesa, elaborados em pequena escala, saudáveis e que incentivem o desenvolvimento local”.

Brasil e Equador também deram passos determinantes para um selo que “defenda a soberania alimentar, a renda camponesa e o acesso a alimentos locais”. Já o Uruguai realiza um ciclo de encontros “para a construção de um selo da agricultura familiar”. Envolverde/IPS

Fabiana Frayssinet

Fabiana Frayssinet nació en Buenos Aires, Argentina. Ha colaborado con IPS desde 1996, abordando con reportajes y crónicas la realidad brasileña. Se desempeña como corresponsal extranjera desde 1989, primero desde América Central y luego desde Brasil, donde se instaló en 1996, colaborando con medios internacionales de radio, televisión y prensa: CNN en Español, Univisión, Telefé de Argentina y los servicios latinoamericanos de Radio Suecia y de Radio Nederland.

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