Itália adota carta de direitos na internet

Evolução dos usuários de internet na América Latina, país por país, entre 2006 e 2013. Foto: Cepal

Evolução dos usuários de internet na América Latina, país por país, entre 2006 e 2013. Foto: Cepal

 

O processo de redação demorou mais de um ano, bem rápido para os padrões burocráticos habituais desse país e, de fato, surpreendeu alguns analistas que tenha vindo à luz, pois, segundo dizem, representa o atraso da Itália em matéria de infraestrutura digital. Alguns meios de comunicação progressistas italianos elogiaram a declaração, porque consideram que tem um “significado histórico” devido à visibilidade e ao prestígio que dará à Itália em questões de governança em escala global.

Ao contrário de outros países, nos quais as propostas de declarações ou cartas de direitos foram promovidas principalmente por acadêmicos, associações, coalizões dinâmicas, empresas ou diversos atores, os promotores da declaração italiana destacaram que o processo de redação se caracterizou por uma “relação de pares entre instituições e cidadãos, por isso toda a construção se tornou horizontal”.

De fato, a declaração é o resultado de um processo complexo e aberto com múltiplos atores, que terminou com a participação direta da cidadania italiana mediante uma consulta pública que durou quatro meses na internet. Entre seus defensores se destacam Laura Boldrini, presidente da Câmara de Deputados e ex-porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), e Stefano Rodotà, jurista e dirigente que há tempos defende uma Carta Magna para a sociedade de redes, e que liderou o comitê de especialistas que redigiu o documento.

Ao explicar seu conteúdo, Rodotà afirmou que, ao contrário de outras iniciativas semelhantes, a declaração italiana “não contém termos detalhados e específicos dos diferentes princípios e direitos já estabelecidos em documentos internacionais e constituições nacionais”. Por outro lado, pretende “identificar os direitos e princípios específicos do mundo digital, destacando não só suas peculiaridades, mas também a forma como costumam contribuir para a redefinição de toda a esfera de direitos”, acrescentou.

A Declaração cobre um leque de temas, desde “o direito fundamental de acesso à internet” e a neutralidade da rede, até a noção de “autodeterminação informativa”. Também inclui disposições sobre segurança, integridade e violabilidade dos domínios e sistemas informatizados, o controle em massa, o direito ao anonimato e o desenvolvimento da identidade digital. Também trata sobre a muito controvertida ideia de conceder aos cidadãos que estiverem online o “direito ao esquecimento”.

A Declaração questiona a falta de transparência dos termos do serviço concebido pelos operadores de plataformas digitais, dos quais se “exige se comportar com honestidade e de forma justa” e, acima de tudo, outorgar “informação fundamental e simples sobre como operam as plataformas”.

Rodotà ressaltou que o grupo de direitos reconhecidos na Declaração “não garante a liberdade geral na internet, mas, especificamente, procura prevenir a dependência das pessoas do exterior”, por meio, por exemplo, da “expropriação do direito ao livre desenvolvimento de personalidade e identidade da pessoa como pode ocorrer com o amplo e crescente uso de algoritmos e técnicas de probabilidade”.

A importância das necessidades vinculadas à segurança e ao mercado é considerada, mas, segundo os promotores da iniciativa, não pode haver um equilíbrio em termos de igualdade entre esses interesses e as liberdades e os direitos fundamentais. Em particular, as “necessidades de segurança não devem determinar a criação de uma sociedade de vigilância, de controle e de classificação social”.

Renata Avila, da Guatemala, que lidera a campanha Web We Want (A Web que Queremos), lançada pela Fundação World Wide Web, expressou sua satisfação com a parte da Declaração dedicada à neutralidade da rede e ao software livre, mas apontou que deveria ser mais explícita e reconhecer com maior ênfase o “direito das pessoas se comunicarem de maneira privada e o direito ao anonimato”.

O próximo passo para a declaração italiana tem a ver com seu status. Agora é apenas um documento político sem valor legal, apesar de Boldrini ter dito que fará parte de uma “moção” parlamentar nos próximos meses.

Como base para um documento legalmente vinculante, tem muito em comum com a legislação relativa à internet do Brasil e das Filipinas. Porém, seus defensores disseram que a declaração italiana foi criada tendo em mente um marco internacional. O fundamento, segundo dizem, é que as “muitas questões relacionadas ao acesso e ao uso da internet vão além das fronteiras nacionais por sua própria natureza e, portanto, requerem um esforço coordenado no âmbito internacional”.

Segundo seus promotores, o principal objetivo da Declaração não é ser um simples texto para a criação de uma nova legislação nacional, mas contribuir para o debate público sobre os possíveis desenvolvimentos legislativos em todos os níveis, “da legislação nacional aos tratados internacionais”.

Por sua vez, Rodotà espera que a Declaração de Direitos na Internet sirva como instrumento para a “consolidação de um debate internacional e de uma cultura que destaque a dinâmica comum em diferentes sistemas legais”. Envolverde/IPS

Correspondentes da IPS

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