Crise política caminha para radicalização

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (direita), retorna à sua residência em São Bernardo do Campo, em meio ao apoio de seus seguidores, após ser levado para depor, por três horas, sobre sua suposta vinculação com o maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (direita), retorna à sua residência em São Bernardo do Campo, em meio ao apoio de seus seguidores, após ser levado para depor, por três horas, sobre sua suposta vinculação com o maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 7/3/2016 – O interrogatório forçado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Polícia Federal, no dia 4, aponta para uma radicalização da crise política no Brasil, dessa forma reforçando a tentativa de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Levado sob condução coercitiva, Lula foi interrogado durante três horas sobre suposta riqueza indevida, que teria recebido de empresas construtoras acusadas de pagar subornos a políticos e membros do governo, em troca de milionários contratos com a Petrobras.

Foi uma coerção desnecessária, que só se explica por objetivos midiáticos, segundo Lula, porque ele já atendeu voluntariamente as convocações para esclarecer as acusações de que as construtoras pagaram obras em um sítio que frequenta com sua família, propriedade de um amigo, e em um apartamento no Guarujá, que não chegou a adquirir. “Me senti encarcerado”, disse o ex-presidente, ao encerrar o depoimento e em seguida se reunir com militantes do Partido do Trabalhadores (PT).

Nessa ocasião anunciou que reagirá à “perseguição” que lhe fazem o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e meios de comunicação, percorrendo o país e mobilizando seus “companheiros”.A oposição convocou para o dia 13, protestos em todo o país contra o governo e a favor do impeachment, ou renúncia, da presidente Dilma, repetindo manifestações de março e agosto do ano passado, que reuniram centenas de milhares de pessoas.

A política brasileira, dominada pelos órgãos judiciais e repressivos na chamada Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção em negócios petroleiros, volta, assim, aos fóruns usuais e às ruas. A crise entra em seu apogeu, ao alcançar os alvos principais da Operação, o ex-presidente Lula e sua sucessora.No dia 3, tornaram-se públicas denúncias do senador Delcídio Amaral, ex-líder do governo no Senado, vinculando Lula e Dilma a irregularidades e atos de corrupção que são investigados desde março de 2014, segundo informou a revista Isto É.

Delcídio decidiu recorrer à delação premiada (colaboração em troca de redução de pena) depois de ter sido detido, em novembro de 2015, pela tentativa de promover a fuga para o exterior de um ex-diretor da Petrobras que foi um elemento-chave na rede de corrupção.Suas revelações poderão decidir a saída de Dilma da Presidência, já que o senador participava de negociações importantes do governo, até ser detido.

A presidente Dilma Rousseff ao se dirigir à imprensa, no dia 4, para desmentir as denúncias sobre financiamento ilegal em sua campanha eleitoral de 2010 e defender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após ter sido levado para depor de forma coercitiva. A presidente se declarou “indignada” pela situação. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

A presidente Dilma Rousseff ao se dirigir à imprensa, no dia 4, para desmentir as denúncias sobre financiamento ilegal em sua campanha eleitoral de 2010 e defender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após ter sido levado para depor de forma coercitiva. A presidente se declarou “indignada” pela situação. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

O processo de impeachment de Dilma, já aberto na Câmara Federal, ganhou força também porque uma das construtoras admitiu ter pago ilegalmente dívidas da primeira campanha eleitoral da atual presidente, em 2010.A confirmação de que o produto interno bruto do Brasil caiu 3,8% em 2015, com tendência a repetir esse desempenho negativo este ano, agrava a situação crítica em que se encontra o governo.

Um julgamento de Lula seria outro golpe demolidor sobre Dilma. A procuradoria afirma haver indícios de que Lula e sua família foram beneficiados por dinheiro desviado de projetos da Petrobras pelas construtoras, que já têm dirigentes presos.No total, cerca de R$ 30 milhões teriam sido destinados ao Instituto Lula, criado para organizar as atividades nacionais e internacionais do ex-presidente, ao pagamento de suas palestras, e às obras no sítio e no apartamento. Nenhuma dessas propriedades é sua, afirma o ex-presidente.

O Brasil vive um “regime de exceção e arbítrio”, composto de “investigações seletivas, averiguações ilegais e atropelos de garantias individuais”, afirmou o PT em um comunicado sobre o interrogatório de Lula.A condução coercitiva foi criticada por vários juristas, inclusive pelo juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello. Foi um “ato de força que gera insegurança jurídica a todos os cidadãos” ao atropelar regras, afirmou publicamente.

“Amanhã constroem um paredão na Praça dos Três Poderes”, ironizou o juiz, se referindo à praça onde ficam as sedes do governo, do parlamento e da Justiça no Brasil.Marco Aurélio foi um dos dissidentes em recentes decisões do STF, como a que permite a prisão de condenados em segunda instância, negando o texto da Constituição que assegura liberdade até a interposição de recursos em tribunais superiores.

Outra sentença quebra o direito ao sigilo bancário, ao autorizar o acesso do serviço de arrecadação de impostos a dados bancários. As liberdades fundamentais sofreram um retrocesso no Brasil, lamentou o juizMarco Aurélio.Na realidade, o país vive um clima de “caça às bruxas” desde que estourou o escândalo da Petrobras, envolvendo milhares de milhões de dólares e cerca de duas centenas de empresários e políticos. A corrupção e a impunidade, chagas nacionais, justificam a repressão a todo custo.

A Procuradoria e a Polícia Federal se converteram nos principais protagonistas da vida nacional desde o começo do ano passado, quando começaram a ser divulgados depoimentos dos delatores premiados. A chamada “espetacularização” dos processos judiciais passou a ditar a marcha da política nacional e, em certa medida, da economia. O mercado financeiro e de câmbio refletem as tendências. Sempre que novas revelações enfraquecem a presidente Dilma, ocorrem altas imediatas das ações e do real, indicando uma rejeição do mercado ao governo.

Com as sucessivas ações da Operação Lava-Jato, que já está em sua vigésima-quarta fase requisitando documentos dos imóveis ocupados por Lula, seus três filhos e vários amigos, o governo fica paralisado em suas atuações. A incerteza fez cair em 14,1% os investimentos no ano passado, fato que permite prever uma recessão prolongada no Brasil,“com tendência à depressão”, segundo os economistas.

Com a reação de Lula, dispondo-se à luta política de rua, e o extremo grau de tensão gerado pelas últimas ações dos órgãos de repressão e pelas delações, é possível que a crise tenha entrado em seu apogeu, que antecede uma solução, democrática ou não. Envolverde/IPS

Mario Osava

El premiado Chizuo Osava, más conocido como Mario Osava, es corresponsal de IPS desde 1978 y encargado de la corresponsalía en Brasil desde 1980. Cubrió hechos y procesos en todas partes de ese país y últimamente se dedica a rastrear los efectos de los grandes proyectos de infraestructura que reflejan opciones de desarrollo y de integración en América Latina. Es miembro de consejos o asambleas de socios de varias organizaciones no gubernamentales, como el Instituto Brasileño de Análisis Sociales y Económicos (Ibase), el Instituto Fazer Brasil y la Agencia de Noticias de los Derechos de la Infancia (ANDI). Aunque tomó algunos cursos de periodismo en 1964 y 1965, y de filosofía en 1967, él se considera un autodidacto formado a través de lecturas, militancia política y la experiencia de haber residido en varios países de diferentes continentes. Empezó a trabajar en IPS en 1978, en Lisboa, donde escribió también para la edición portuguesa de Cuadernos del Tercer Mundo. De vuelta en Brasil, estuvo algunos meses en el diario O Globo, de Río de Janeiro, en 1980, antes de asumir la corresponsalía de IPS. También se desempeñó como bancario, promotor de desarrollo comunitario en "favelas" (tugurios) de São Paulo, docente de cursos para el ingreso a la universidad en su país, asistente de producción de filmes en Portugal y asesor partidario en Angola. Síguelo en Twitter.

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