Cidade inteligente beneficiará poucos

Kalpana Bagha, à esquerda com seu filho nos braços, teme as consequências para sua família do desenvolvimento de um distrito inteligente em Bhubaneswar. Foto: Manipadma Jena/IPS

Por Manipadma Jena, da IPS – 

Kalpana Bagha, à esquerda com seu filho nos braços, teme as consequências para sua família do desenvolvimento de um distrito inteligente em Bhubaneswar. Foto: ManipadmaJena/IPS

Bhubaneswar, Índia, 15/4/1016 – Com o calor abrasador que sufoca Bhubaneswar, capital do Estado de Odisha, no leste da Índia, onde a temperatura chegou a 43,2 graus Celsius no começo deste mês, parece que esta cidade vai precisar de algo mais do que um projeto para criar uma área inteligente. Prasanti Behera, de 44 anos, mal consegue dormir à noite com as temperaturas em torno dos cinco graus acima da média habitual. Com a atual onda de calor, o que se deseja é uma casa de material.

Há dois verões, um incêndio arrasou 50 choças do assentamento irregular onde Beheravive e em segundos viraram cinzas os US$ 600 que com muito esforço havia economizado durante dois anos parao casamento de sua filha.O governo de Bhubaneswar, que encabeça a lista de ganhadores do desafio cem cidades inteligentes, se dispõe a construir uma área inteligente de apenas 3,9 quilômetros quadrados (cerca de 399 hectares) ou 2,4% da área conhecida como distrito central, famoso porque nunca dorme.

O orçamento necessário chega a US$ 615 milhões, dos quais US$ 675 milhões disponíveis. O restante será destinado ao desenvolvimento de serviços de ônibus, trânsito e gestão de espaços para estacionamento de veículos. A iniciativa chegará a dois quarteirões do assentamento irregular onde vive Behera, dividirá Bhubaneswar em duas, criando uma área de oportunidades econômicas em meio a uma desigualdade generalizada.

Dos 500 assentamentos irregulares, onde vive 40% da população de Bhubaneswar, apenas quatro estão dentro da cidade inteligente e o restante fica à margem, mesmo que nas metas da convocação de cem cidades inteligentes se destaque a meta de “atender o desafio de alojar sua crescente imigração urbana de forma decente e humana”.Do milhão de habitantes que consideram esta como sua cidade, apenas 46 mil, menos de 5%, se beneficiarão dos serviços de água, energia elétrica, internet, segurança policial, ruas para pedestres, transporte públicos, áreas verdes, saneamento e outras melhorias de que o “distrito inteligente” gozará.

O apartheid digital chegou, segundo o urbanista PiyushRanjanRout à IPS. “E, ainda por cima, a maior parte da população que quase não se beneficiará do distrito inteligente deverá pagar impostos para mantê-lo”, ressaltou.

JasodaBagha, de 56 anos, e seus vizinhos de outras 200 moradias do assentamento irregular de Satyakali, ocupantes de um importante mangue e drenagem natural para água de chuva, são sortudos por ficarem dentro da área onde o projeto será desenvolvido. Mas não se consideram afortunados e, de fato, estão preocupados. Como seus vizinhos, não têm nenhuma informação sobre o projeto. Sua nora, KalpanaBagha, diz haver boatos de que suas casas serão demolidas.

As cidades-irmãs de Bhubaneswar e Cuttack têm falta de 360 mil moradias de baixo custo, mais que o dobro de uma década atrás. O projeto de cidade inteligente procura eliminar as quatro favelas de alta densidade e reformar seis mil residências de um quarto oferecendo serviços básicos.O objetivo será alcançado com fundos do plano de “moradia para todos” do governo federal, que propõe a construçãode 20 milhões de casas para as pessoas mais desfavorecidas em todo o país até 2022. Mas os beneficiários deverão pagar uma parte, o que será um grande desafio para os imigrantes pobres.

Os demais terrenos de alto valor se tornarão rentáveis de maneira “responsável” ou serão comercializados para atrair investimentos, segundo um documento municipal. No plano financeiro da cidade inteligente de Bhubaneswar, as intervenções no uso da terra são o segundo maior item do orçamento.Muitas pessoas temem que seja uma forma de não gerar polêmica enquanto transformam “terrenos sociais” em espaços comerciais, cedendo a tomada de decisões sobre seu uso aos particulares e deixando de lado a cidadania.

Enquanto é realizada a construção das casas de baixo custo, os habitantes das favelas serão reassentados em lugares transitórios durante dois anos, ou mais. “Trabalho com tarefas domésticas na colônia residencial vizinha ao nosso assentamento. Se tivermos que nos mudar para longe, como vou ganhar a vida?”, perguntou Bagha. Para ele, poder se deslocar de forma gratuita e rápida parao trabalho é fundamental e, se mudar para longe, necessitará de um bom serviço de transporte.

Mas o parque automotivo cresceu 23% em Bhubaneswarno último ano, o que diminui a urgência de investimentos na melhoraria do transporte público, vital para Bagha. O trânsito complica o deslocamento de pedestres na cidade, segundo consultas feitas à população. A extensão de Bhubaneswar aumenta o uso de combustíveis fósseis, a principal causa do aumento da contaminação e, em parte, responsável pela onda de calor.

Mas o mais significativo é a clara distinção entre as áreas mais ricas da cidade e as mais desfavorecidas, o que levou a um aumento da criminalidade. Os casos de roubo duplicaram nos últimos cinco anos. O desenvolvimento de uma área inteligente que não vai melhorar toda a cidade não faz mais do que aprofundar a desigualdade, segundo numerosos sociólogos. O projeto inclui um sistema de elevada segurança.

Ao contrário do assentamento de Satyakali, os demais que não se beneficiarão do projeto não carecem apenas de serviços básicos, mas encontram-se em um entorno insalubre. “A drenagem natural (de Satyakali) não só concentra os esgotos como é para onde vai o lixo dos vendedores de pescado da região, a comida jogada fora pelas pessoas e, no verão, quando se reduz o volume de água, emana um cheiro fétido que nossas crianças respiram todo o dia”, contouKalpanaBagha à IPS.

Em Bhubaneswar, 28%, ou mais de um quarto da população, defeca ao ar livre. Há uma perfuração que oferece água para lavar a louça, e a que é usada para beber procede de um cemitério que fica a 200 metros e chega através de uma tubulação de plástico. “Está tão furada que filtram os dejetos da drenagem, mas não temos opção”, lamentou Bagha.Seu filho de seis anos tem problema de crescimento e sofre diarreias de forma periódica. O pequeno piora com a temperatura atual, que ronda os 40 graus desde março, e parece que tem três anos.

Na medida em que aumenta a desigualdade no desenvolvimento entre Bhubaneswar e a zona rural de Odisha, somado à mudança climática que intensifica os desastres naturais, como a atual onda de calor, aumenta a migração para a cidade, sobretudo quando há seca e centenas de milhares de pessoas abandonam o campo. Envolverde/IPS

Manipadma Jena

Manipadma Jena is an independent development journalist and communications consultant who works out of Bhubaneswar in eastern India. She specialises in environment, climate change, biodiversity, indigenous people and the MDG themes broadly.

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