Brasil está órfão de líderes

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saúda um grupo de simpatizantes, em um ato no mês de julho, em Juazeiro, na Bahia, quando foi declarado cidadão da cidade. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saúda um grupo de simpatizantes, em um ato no mês de julho, em Juazeiro, na Bahia, quando foi declarado cidadão da cidade. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 8/8/2016 – Líder singular, com toques de heroísmo, de uma geração política em extinção no Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta dois processos judiciais que podem pôr fim à sua carreira.A erosão de sua popularidade pelos escândalos de corrupção que arruinaram o sistema partidário, especialmente o seu Partido dos Trabalhadores(PT), não extinguiram sua liderança e a possibilidade de recuperar o apoio de amplos setores da população, segundo pesquisas recentes.

Sua nova candidatura à Presidência em 2018, com provável êxito diante da atual falta de adversários à altura, é um sonho pessoal, do PT e de outras forças de esquerda, que a justiça poderá jogar por terra.É o que alimenta acusações do PT, de que o Ministério Público e os juízes que investigam Lula atuam em aliança com a direita, que já triunfou ao conseguir abrir, em maio, um processo de impeachment contra Dilma Rousseff, que o parlamento concluirá este mês, ou início de setembro.

Lula, que governou o país entre 2003 e 2011, é investigado por supostamente ter recebido favores de construtoras envolvidas nos multimilionários desvios de dinheiro da Petrobras. Além disso, outro tribunal decidiu, em 29 de julho, julgá-lo pela acusação de tentativa de obstrução das investigações sobre esse escândalo, que já envolve mais de 200 empresários e políticos.

A pressão judicial sobre Lula “busca impedir sua candidatura em 2018, mas tem consequências mais profundas, intensifica a polarização e a radicalização políticas que pode levar a uma situação como a da Argentina, de peronistas contra peronistas”, teme Fernando Lattman-Weltiman, professor de ciência política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“A destruição sistemática de líderes políticos produz insegurança, por envolver instituições que deveriam ser apartidárias, como o Ministério Público e a justiça. Não importa que suas decisões sejam corretas, são marcadas pelo contexto polarizado, e qualquer atitude é vista com um viés partidário”, destacou Lattman-Weltiman à IPS.“Assim, a legitimidade de tudo sofre uma corrosão, em um círculo vicioso, um túnel sem fim. A própria imagem do Supremo Tribunal Federal (STF) já está comprometida, arranhada por algumas sentenças”, acrescentou.

A percepção de que Lula é perseguido pela operação Lava Jato ganha adeptos, especialmente entre seus partidários, desde março, quando foi submetido a uma condução coercitiva para depor e também foram gravadas e divulgadas conversas telefônicas com Dilma Rousseff.

Dilma Rousseff, presidenta afastada, e Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente, em um encontro em junho. Ambos vivem suas horas mais baixas: Dilma está perto de ser destituída pelo Senado e Lula será julgado pela acusação de obstrução da justiça e enfrenta outra investigação por corrupção. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Dilma Rousseff, presidenta afastada, e Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente, em um encontro em junho. Ambos vivem suas horas mais baixas: Dilma está perto de ser destituída pelo Senado e Lula será julgado pela acusação de obstrução da justiça e enfrenta outra investigação por corrupção. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

As duas medidas, determinadas pelo juiz federal Sergio Moro – que conduz,com base na cidade de Curitiba, no Estado do Paraná, a operação sobre a rede de subornos estabelecida na Petrobras –, foram consideradas ilegais ou inadequadas por inúmeros juristas e inclusive membros do STF.O ex-presidente recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 28 de julho, para denunciar que é vítima de violações de garantias fundamentais nas investigações contra ele.

O recurso se passeia no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela ONU em 1966 e que o Brasil ratificou em 1992.Os advogados de Lula consideram que o juiz Moro violou quatro disposições do Pacto sobre detenções arbitrárias, presunção de inocência até a condenação judicial, interferências na privacidade e direito a um tribunal imparcial.

O temor por arbitrariedades do juiz, que mantém dezenas de acusados sem condenação, foi o que levou Dilma a designar Lula ministro da Casa Civil em março, dois meses antes de o parlamento abrir o processo de impeachment contra a presidente alegando irregularidades fiscais.Os tribunais suspenderam a nomeação, diante de suspeitas de que se tratava de uma manobra para obstruir o processo contra Lula, já que os ministros só podem ser investigados e julgados pelo STF.

Isso agravou a situação do ex-presidente, em lugar de protegê-lo. Agora a acusação de obstrução da justiça o converteu em réu.Lula teria determinado a um senador do PT subornar o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, para evitar sua colaboração com a justiça e as consequentes revelações sobre a corrupção na empresa, encabeçada por dirigentes de vários partidos e grandes construtoras.

O plano fracassou. O agora ex-senador Delcídio Amaral foi detido em novembro de 2015 por propor a Cerveró fugir do país, em uma conversa gravada e entregue à polícia. Depois foi aceita a delação premiada, que reduz as penas em troca de acusação de outros implicados em um caso, e denunciou Lula.

Como acusado, junto com Amaral e outros cinco réus, por um tribunal de Brasília, e não por Moro, Lula parece ter uma condenação assegurada. Uma ratificação dessa mais que provável condenação em primeira instância por um tribunal superior antes de 2018 o deixará inabilitado para ser candidato à Presidência devido à lei da ficha limpa.

O juiz federal Sérgio Moro durante audiência pública sobre corrupção, em 4 de agosto, na Câmara dos Deputados. Aplaudido por seu combate contra a multimilionária rede de corrupção em torno da Petrobras, sua imagem de imparcialidade se ressentiu por determinar a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para interrogatório. Foto: Lula Marques/AGPT

O juiz federal Sérgio Moro durante audiência pública sobre corrupção, em 4 de agosto, na Câmara dos Deputados. Aplaudido por seu combate contra a multimilionária rede de corrupção em torno da Petrobras, sua imagem de imparcialidade se ressentiu por determinar a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para interrogatório. Foto: Lula Marques/AGPT

O ex-presidente também enfrenta investigações fiscais e policiais orientadas por Moro sobre favores que teria recebido de grandes construtoras, que já reconheceram ter desviado muito dinheiro de projetos da Petrobras e se preparam para revelar tudo. Essas companhias fizeram custosas reformas em um apartamento na praia e em um sítio na cidade de Atibaia, no Estado de São Paulo, que o Ministério Público suspeita serem propriedades de Lula, embora estejam em nome de terceiros.

O cerco se fecha contra o antigo operário, filho de camponeses que migraram do Nordeste para os arredores da metrópole de São Paulo nos anos 1950, fugindo da seca e da miséria.Sua biografia, de trabalhador infantil a operário metalúrgico que perdeu um dedo da mão esquerda em um torno, para depois ser líder sindical, fundador do PT e presidente mais popular do Brasil, compõe uma façanha mítica que, somada às suas políticas de redução da pobreza, dificilmente apagarão tropeços judiciais.

“Foi o único líder que poderia ter feito as reformas que o Brasil tanto necessita, como as política e tributária, e a trabalhista. Temos muitos impostos, um sistema político que não funciona e estimula a corrupção”, lamentou Doubel Macedo, veterano engenheiro químico de uma empresa de construção e petróleo.

Durante seus dois governos, “Lula teve o mercado ao seu favor, a economia crescendo com o alto preço dos produtos básicos, até os empresários o apoiavam, era quase uma unanimidade nacional, com força para transformar o país e superar os entraves ao desenvolvimento”, pontuou Macedo à IPS.

Não há outros líderes de seu nível atualmente, afirmou o engenheiro, destacando que não é petista nem de esquerda. Com sua ausência e a proscrição de outros dirigentes “do segundo escalão”, quase todos acusados de corrupção, corre-se o risco de em 2018 ser eleito o polêmico ex-presidente Fernando Collor, que em 1992 se converteu no primeiro presidente inabilitado do país, alertou Macedo. Envolverde/IPS

Mario Osava

El premiado Chizuo Osava, más conocido como Mario Osava, es corresponsal de IPS desde 1978 y encargado de la corresponsalía en Brasil desde 1980. Cubrió hechos y procesos en todas partes de ese país y últimamente se dedica a rastrear los efectos de los grandes proyectos de infraestructura que reflejan opciones de desarrollo y de integración en América Latina. Es miembro de consejos o asambleas de socios de varias organizaciones no gubernamentales, como el Instituto Brasileño de Análisis Sociales y Económicos (Ibase), el Instituto Fazer Brasil y la Agencia de Noticias de los Derechos de la Infancia (ANDI). Aunque tomó algunos cursos de periodismo en 1964 y 1965, y de filosofía en 1967, él se considera un autodidacto formado a través de lecturas, militancia política y la experiencia de haber residido en varios países de diferentes continentes. Empezó a trabajar en IPS en 1978, en Lisboa, donde escribió también para la edición portuguesa de Cuadernos del Tercer Mundo. De vuelta en Brasil, estuvo algunos meses en el diario O Globo, de Río de Janeiro, en 1980, antes de asumir la corresponsalía de IPS. También se desempeñó como bancario, promotor de desarrollo comunitario en "favelas" (tugurios) de São Paulo, docente de cursos para el ingreso a la universidad en su país, asistente de producción de filmes en Portugal y asesor partidario en Angola. Síguelo en Twitter.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *