Queda de Dilma não dissipa incertezas

Michel Temer durante sua posse como presidente pleno do Brasil, em um breve ato no Senado, pouco depois de os senadores decidirem pela destituição de Dilma Rousseff. Foto:Beto Barata/PR

Michel Temer durante sua posse como presidente pleno do Brasil, em um breve ato no Senado, pouco depois de os senadores decidirem pela destituição de Dilma Rousseff. Foto:Beto Barata/PR

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 2/9/2016 – A destituição da presidente Dilma Rousseff, no dia 31 de agosto, fecha um capítulo turbulento da crise do Brasil, mas não acaba com as incertezas que ameaçam a política e a economia do país. A primeira mulher na história a governar o Brasil foi condenada pelo Senado a deixar o cargo que ocupava desde o primeiro dia de 2011, quando 61 senadores a consideraram culpada e apenas 20 a inocentaram de irregularidades no manejo do orçamento.

Pouco depois, assumiu com plenos poderes Michel Temer, que enfrenta desafios que exigem medidas impopulares e é apoiado por partidos que têm boa parte de seus parlamentares acusados de corrupção ou sob investigação do Ministério Público.O próprio Temer, um político cinza e sem carisma, está envolvido em denúncias de que teria negociado contribuições ilegais para campanhas eleitorais do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

O presidente, deputados e senadores só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e é improvável que haja qualquer sentença contra Temer nessa corte antes que termine o atual período presidencial. Temer também enfrenta uma demanda na Justiça Eleitoral para impugnar sua eleição em 2014 como vice na chapa de Dilma, sob a acusação de abuso de poder econômico e político. Outras denúncias de corrupção agravaram a situação judicial de ambos.

A decisão sobre esse caso é esperada para 2017 e poderia anular o resultado das últimas eleições. Se isso ocorrer, o parlamento escolherá um novo presidente para completar o mandato atual, que termina no último dia de 2018. A operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobras e que já mandou para a prisão dezenas de empresários e políticos, ameaça provocar baixas em massa no parlamento, quando o STF começar a julgar deputados e senadores envolvidos nesse escândalo.

Até que isso ocorra, as denúncias serão uma sombra sobre a legitimidade de um governo débil e submetido ao bombardeio da nova oposição de esquerda, que o acusa de ser produto de um “golpe de Estado parlamentar”, como Dilma repetiu dezenas de vezes em sua aguerrida defesa no julgamento de sua destituição. O impeachment de Dilma também significa a saída do poder do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou esse país com 204 milhões de habitantes desde 2003, com seu máximo líder, Luis Inácio Lula da Silva (2003-2011), e com Dilma Rousseff (2012-2016).

Dilma Rousseff sorri entre partidários no dia 31 de agosto, após ser destituída pelo Senado, em um julgamento político com final previsível há meses, mas onde, surpreendentemente, não teve seus direitos políticos suspensos. Foto: Lula Marques/AGPT1

Dilma Rousseff sorri entre partidários no dia 31 de agosto, após ser destituída pelo Senado, em um julgamento político com final previsível há meses, mas onde, surpreendentemente, não teve seus direitos políticos suspensos. Foto: Lula Marques/AGPT1

Na frente econômica, o novo governo já anunciou como eixo do ajuste fiscal a imposição de um limite do gasto público, com seu congelamento por duas décadas. Seu valor seria cada ano igual ao do anterior, mais o aumento da inflação durante o exercício precedente. Assim, o crescimento da economia, uma vez que se saia da atual recessão, seria acompanhado da redução do déficit fiscal. Os analistas duvidam que essa medida seja aprovada pelo Congresso, tradicionalmente contra medidas de austeridade, ainda mais quando ela supõe uma emenda constitucional, cuja aprovação exige maioria de 60%.

Uma reforma previdenciária, levando em conta as aposentadorias, é outra medida considerada indispensável para interromper a deterioração das contas públicas, que enfrentará duras resistências no Congresso, sindicado e movimentos sociais. Entretanto, Temer conta com o empuxe de uma maioria parlamentar fortalecida pela batalha do julgamento da destituição de Dilma e com o voto de confiança que, ao menos agora, lhe dá o determinante setor empresarial.

Na votação na Câmara dos Deputados que autorizou o processo contra a presidente, a maioria foi de 71,5% dos 513 deputados. No Senado, alcançou 75% na condenação definitiva de Dilma e porcentagens semelhantes em decisões prévias sobre o início do processo e a aprovação do informe de acusação.

A única divisão no bloco ocorreu no final do julgamento. O Senado manteve os direitos políticos de Dilma, apesar de destituí-la pela esmagadora maioria de 61 votos entre 81.  Em uma proposta surpreendente e de última hora de senadores do PT, a sentença foi dividida em duas partes, embora a Constituição vincule as duas.

Na primeira, Dilma foi condenada por ser considerada culpada de “crimes de responsabilidade” na maquiagem das contas orçamentárias. Na segunda, foi eximida da consequente suspensão dos direitos políticos por oito anos, porque essa proposta só recebeu 42 votos, sendo necessários dois terços, 54 senadores, para praticamente pôr fim à carreira política da ex-presidente, de 68 anos.

Foi um gesto de conciliação de uma parte do novo oficialismo, especialmente do PMDB, depois da troca de agressões durante o processo contra Dilma, iniciado em dezembro, quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acolheu um dos 37 pedidos para destituí-la.

Dilma e seus partidários acusaram o processo de “golpe de Estado contra a democracia”, “traição”, “farsa”, “lixo da história” e outros adjetivos semelhantes durante os seis dias do julgamento, em que foram ouvidas testemunhas de acusação e defesa, advogados das duas partes e pronunciamentos em duas ocasiões de quase todos os senadores. Geradores de “caos econômico”, “demagogos”, “irresponsáveis”, “fraudadores”, “mentirosos” e corruptos foram outras acusações contra os favoráveis à destituição.

Dilma se defendeu durante toda o dia 29, com um alegado inicial e respostas aos senadores, em que insistiu em rechaçar como “golpe parlamentar” sua destituição, argumentando não ter cometido nenhum crime previsto na Constituição para justificar sua condenação. A acusação afirmou que usar recursos de bancos estatais para ocultar o déficit fiscal e emitir decretos ampliando gastos sem autorização legislativa constituem “crimes de responsabilidade”, que a Constituição inclui como causa para a destituição.

Houve opiniões opostas de juristas, auditores e outros especialistas, estimulando a versão de “golpe”, comparando-o inclusive com o golpe militar de 1964, que instaurou a ditadura no país que durou até 19785. Mas a crise econômica, especialmente o gigantesco déficit público acumulado nos últimos anos, enfraqueceu Dilma, acusada de ocultar a grave situação financeira na campanha para sua reeleição de 2014. Os acusadores passaram a falar do negativo “conjunto da obra” como motivo para sua destituição.

Dilma atribuiu à repentina queda dos preços internacionais de produtos básicos e a políticas monetárias de países ricos a recessão iniciada em 2014, agravada pelo boicote legislativo às suas iniciativas em 2015. Só o voto popular legitima o governo no regime presidencialista, afirmaram Dilma e seus aliados, descartando o mecanismo constitucional do impeachment, usado pela primeira vez em 1992 contra Fernando Collor (1990-1992), e tentado muitas vezes, sem êxito, contra Fernando Henrique Cardoso (1995-2003).

A queda de Dilma e do PT “é parte de uma tendência mundial de declínio da esquerda, que é mais forte na América Latina, onde seus governos enfrentam graves recessões econômicas”, apontou à IPS o professor Elimar Nascimento, da Universidade de Brasília. Na região “ocorre um evidente desgaste do pensamento de esquerda, que vive de fantasias do passado, incapaz de compreender as mudanças”, em outro movimento pendular, depois de uma maioria de governos dessa tendência nos primeiros 15 anos do século. Envolverde/IPS

Mario Osava

El premiado Chizuo Osava, más conocido como Mario Osava, es corresponsal de IPS desde 1978 y encargado de la corresponsalía en Brasil desde 1980. Cubrió hechos y procesos en todas partes de ese país y últimamente se dedica a rastrear los efectos de los grandes proyectos de infraestructura que reflejan opciones de desarrollo y de integración en América Latina. Es miembro de consejos o asambleas de socios de varias organizaciones no gubernamentales, como el Instituto Brasileño de Análisis Sociales y Económicos (Ibase), el Instituto Fazer Brasil y la Agencia de Noticias de los Derechos de la Infancia (ANDI). Aunque tomó algunos cursos de periodismo en 1964 y 1965, y de filosofía en 1967, él se considera un autodidacto formado a través de lecturas, militancia política y la experiencia de haber residido en varios países de diferentes continentes. Empezó a trabajar en IPS en 1978, en Lisboa, donde escribió también para la edición portuguesa de Cuadernos del Tercer Mundo. De vuelta en Brasil, estuvo algunos meses en el diario O Globo, de Río de Janeiro, en 1980, antes de asumir la corresponsalía de IPS. También se desempeñó como bancario, promotor de desarrollo comunitario en "favelas" (tugurios) de São Paulo, docente de cursos para el ingreso a la universidad en su país, asistente de producción de filmes en Portugal y asesor partidario en Angola. Síguelo en Twitter.

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