O dia tem mais horas para as mulheres

Por Sally Nyakanyanga, da IPS – 

Harare, Zimbábue, 14/3/2017 – O canto do galo desperta Tambudzai Zimbudzana, de 32 anos, que rapidamente dobra suas cobertas e sai de sua casa, com teto de zinco e três cômodos, em Masvingo, uma localidade rural do sudeste do Zimbábue. Ela colhe alguma lenha de uma enorme pilha e prepara fogo para ferver água e fazer a comida para que seu marido se banhe e coma antes de ir para o trabalho de bicicleta.

Zimbudzana chama “Shorai!” Shorai!” Shorai!”, sua filha de 14 anos que ainda dorme e deve ajudá-la com as tarefas diárias. “Meu dia termina normalmente às dez da noite, já que preciso ver se todo o trabalho doméstico está feito, inclusive atender meus seis filhos, antes de poder descansar”, contou à IPS essa mulher que raramente tem tempo para participar de atividades comunitárias.

Muitas mulheres e meninas fazem o trabalho – pesado, desigual e aparentemente natural – de cuidar da família, algo que poucas vezes é reconhecido, não é financeiramente benéfico e está profundamente arraigado na cultura desse país do sul da África.

Constance Huku transporta lenha, na localidade rural de Masvingo, no sudeste do Zimbábue. Foto: Sally Nyakanyanga/IPS

 

“Nos últimos anos, consideráveis evidências e resultados de pesquisas mostram que o investimento no trabalho do cuidado não remunerado – pelos governos, pela sociedade civil e por empregadores – melhora o bem-estar, o gozo dos direitos das mulheres, o desenvolvimento econômico e reduz a desigualdade”, afirmou Anna Giolitto, da organização humanitária Oxfam.

Desde 2014, essa entidade trabalha no Zimbábue para fortalecer os direitos econômicos das mulheres, mediante coleta de dados sobre o trabalho de cuidados não remunerado, a inovação nas intervenções e a influência em políticas e práticas para abordar a atenção como parte do empoderamento feminino.

A Oxfam realizou três programas em três distritos desde 2014, e desenvolveu duas ferramentas para avaliar o trabalho doméstico não remunerado e o cuidado das pessoas nas comunidades, a Análise de Atenção Rápida e a Pesquisa sobre o Cuidado no Lar.

“O objetivo principal é reduzir o tempo ou o trabalho necessários para as tarefas domésticas diárias e o cuidado das pessoas, e assim aumentar a participação das mulheres, seu empoderamento, sua liderança e representação nas esferas públicas e privadas”, explicou Giolitto. Os resultados da pesquisa mostraram que as mulheres fazem de três a seis vezes mais horas de trabalho de cuidados do que os homens.

Segundo a ONU Mulheres, o mundo do trabalho está evoluindo, com importantes consequências e oportunidades para as mulheres devido à globalização e às revoluções tecnológica e digital. Entretanto, a crescente informalidade do trabalho, a instabilidade dos meios de subsistência e da renda, as novas políticas fiscais e comerciais e os impactos ambientais têm um efeito negativo no bem-estar de muitas mulheres em todo o mundo.

Por isso, devem ser abordados no contexto de seu empoderamento econômico. As mulheres que trabalham na economia informal do Zimbábue enfrentam diariamente a hostilidade do contexto econômico e dos funcionários de segurança, inclusive nas aduanas.


Charity Ncube carrega seu filho e um balde de 20 litros de água, na localidade rural de Masvingo, no sudeste do Zimbábue. Foto: Sally Nyakanyanga/IPS

 

“Eles confiscam nossos bens nos postos de fronteira devido à quantidade limitada de mercadorias que pode entrar no país. Acabamos pagando mais aos transportadores para passar uma quantidade razoável pela fronteira”, detalhou Lorraine Sibanda, a presidente da Câmara de Associações da Economia Informal do Zimbábue (ZCIEA). Cerca de 65% de seus integrantes são mulheres, acrescentou.

Segundo Sibanda, as tarifas dos transportadores não são uniformes, por isso pode-se pagar várias vezes pela mesma mercadoria. Além disso, as mulheres envolvidas no comércio transfronteiriço têm de carregar grande peso durante muito tempo, o  que pode ter consequências nocivas para sua saúde. “Pouco ou nulo conhecimento dos trâmites aduaneiros, como a declaração de bens, também colabora para que as comerciantes sejam vítimas dos transportadores desonestos, do pessoal de imigração e de outros elementos que rondam os postos de fronteira para ganhar a vida”, ressaltou.

O Escritório Nacional de Estatísticas do Zimbábue informou que 84% da classe trabalhadora do país pertence ao setor informal e apenas 11% tem emprego formal. A Oxfam não trabalha com mulheres do comércio transfronteiriço no Zimbábue, mas aplica a estratégia dos “quatro erres” para a mudança em seu empoderamento:

  • reconhecer o trabalho de cuidados nas políticas, na comunidade e no lar, para torná-lo visível e valorizado; mudar a ideia de que se trata apenas de uma atividade natural das mulheres, é trabalho;
  • reduzir o trabalho dos cuidados mediante o uso de tecnologias e serviços que economizem tempo;
  • redistribuir a responsabilidade do cuidado de maneira mais equitativa – de mulheres para homens e de famílias para o Estado e empregadores;
  • representar as cuidadoras na tomada de decisões.

“As mulheres serão capazes de fazer mais quando houver homens que compartilhem a responsabilidade dentro da família, bem como quando desempenharem um papel importante nas decisões em seu lar”, destacou Giolitto.

Kelvin Hazangwi, do Padare (Fórum de Homens sobre Gênero), também enfatizou a necessidade de compartilhar o trabalho de cuidados não remunerados, e afirmou que “os homens devem tomar a iniciativa para reduzir o peso do trabalho de cuidados que fazem as mulheres, já que isso tem efeito positivo na família, na comunidade e no país em geral”. O Padare é um fórum de homens que defende a igualdade de gênero no Zimbábue.

A ZCIEA acredita que o setor informal é o futuro, e que políticas econômicas de inclusão de gênero, a formalização do comércio informal, a infraestrutura digna, a proteção social, os serviços de saúde, o reconhecimento dos comerciantes informais como atores econômicos essenciais darão lugar a um crescimento sustentável e inclusivo. Envolverde/IPS

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Sally Nyakanyanga

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