A batalha de uma vida contra a “doença do silêncio”

Yohei Sasakawa, presidente da Fundação Nippon, durante sua entrevista à IPS, na capital do Brasil, onde completou uma visita ao país para promover a eliminação da doença de Hansen, e também estigmas que a tornam a “doença do silêncio”. Foto: Mario Osava/IPS

Mario Osava entrevista YOHEI SASAKAWA, presidente da Fundação Nippon.

BRASÍLIA, 10 de julho de 2019 (IPS) – Yohei Sasakawa já dedicou metade de seus 80 anos ao enfrentamento da doença de Hansen, a “doença do silêncio”, e continua em batalha, como presidente da Fundação Nippon e embaixador da Boa Vontade pela Eliminação da Hanseníase, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Seu foco está na luta contra a discriminação, o preconceito e o estigma que exacerbam o sofrimento dos doentes, suas famílias, e até mesmo daqueles que já estão curados. E que também dificultam o tratamento, porque as pessoas infectadas se escondem por medo das hostilidades, destacou Sasakawa à IPS, em entrevista realizada em Brasília, capital brasileira.

Sasakawa visitou o Brasil de 1º a 10 de julho, em seu permanente ativismo pela redução dessa doença estigmatizada pela Bíblia e seus danos sociais. Em Brasília, mobilizou o presidente Jair Bolsonaro, legisladores e outras autoridades de saúde e direitos humanos, para promover uma ação mais forte contra a doença, também conhecida como lepra. Surgiu nas reuniões a ideia de promover um encontro nacional sobre a doença de Hansen, com o objetivo político de disseminação do conhecimento e disposição para erradicar todos os preconceitos, e um encontro técnico para melhorar as estratégias e operações contra a enfermidade.

O Brasil é o segundo país em número de novos infectados diagnosticados a cada ano, perdendo apenas para a Índia. O país lançou uma Estratégia Nacional para Enfrentar a Hanseníase de 2019 a 2022, com planos também em nível de municípios e estados, com base na realidade local.

A Fundação Nippon, com sede em Tóquio, financia alguns projetos e está disposta a apoiar novas iniciativas brasileiras. Brasil e Japão aboliram a palavra lepra na terminologia médica, devido à sua carga de preconceitos e distorções, e aprovou a hanseníase como um nome mais preciso para identificar a infecção pelo bacilo Mycobacterium leprae, e assim se referiu Sasakawa a essa doença crônica durante a entrevista, embora a OMS mantenha o termo lepra.

IPS: Por que você escolheu enfrentar a doença de Hansen e seus diferentes tipos de danos para os doentes e suas famílias?

Yohei Sasakawa: Tudo começou com meu pai, o fundador da Fundação Nippon, que quando jovem apaixonou-se por uma jovem que desapareceu de repente, levada para bem longe, isolada. Meu pai sentiu como uma crueldade e, impulsionado por um espírito de justiça, iniciou esse movimento. A razão para o desaparecimento não foi declarada, mas eu sinceramente acredito que foi hanseníase. Mais tarde, meu pai construiu hospitais em diferentes lugares, um deles na Coreia, em cuja inauguração eu o acompanhei. Naquela ocasião, observei que meu pai tocava as mãos e as pernas dos pacientes, embora tivessem pus, e os abraçou. A cena me impressionou. Fiquei surpreso por dois motivos: assustou-me que meu pai abraçasse naturalmente as pessoas nessas condições, e que até então eu não conhecia tal doença. Eu vi pessoas com uma cor doente, não saudável. Eram pessoas mortas que estavam vivas, vivas mas mortas, abandonadas pela própria família. Imediatamente senti admiração pelo trabalho de meu pai e decidi que deveria continuá-lo.

IPS: Quais são as principais dificuldades para a erradicação da hanseníase?

YS: Em geral, os especialistas, intelectuais, quando param diante de um problema, apresentam dez razões para a impossibilidade de resolvê-lo. Eu tenho a forte convicção de que é possível, e por isso enfrento o problema de uma forma que eu possa identificá-lo e, ao mesmo tempo, encontrar uma solução. Aqueles que veem dificuldades geralmente trabalham em escritórios com ar-condicionado, com papéis, estudando dados. O mais importante é ter a firme convicção de que o problema é solucionável e agir. Desde os anos 1980, mais de 16 milhões de pessoas foram libertadas da hanseníase. Atualmente, o mundo registra redução de 200 mil pacientes por ano.

 

A batalha de uma vida contra a “doença do silêncio”

O presidente da Fundação Nippon, Yohei Sasakawa (centro), durante seu encontro com o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (esquerda), em uma captura feita pela IPS do vídeo que o presidente divulgou no Facebook para conscientizar a população sobre a importância de eliminar a hanseníase e erradicar os preconceitos que perseguem os doentes e suas famílias. Foto: IPS

 

IPS: Qual o papel dos preconceitos, estigmas e discriminação na luta contra essa doença?

YS: Boa pergunta. Depois de colaborar durante muitos anos com a OMS, principalmente com foco na cura da doença, percebi que muitas pessoas que já haviam sido curadas não conseguiam um emprego ou um casamento, e continuavam nas condições que sofriam quando estavam doentes. Concluí que a hanseníase era como uma motocicleta quebrada: a roda da frente é a doença que pode ser curada, e a de trás, nas costas, é onde estão preconceito, discriminação e estigma. Sem consertar as duas rodas, não há cura.

Em 2003, apresentei à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) uma proposta para eliminar a discriminação contra a hanseníase. Após sete anos de procedimentos, a Assembleia Geral aprovou, por unanimidade dos seus 193 países-membros, uma resolução para erradicar essa ferida que afeta tanto o portador da doença como o curado e suas famílias. Mas isso não significa que o problema esteja resolvido, porque preconceito e discriminação são doenças que estão dentro da sociedade.

As pessoas acreditam que a hanseníase é uma punição de Deus, uma maldição, um mal hereditário. É difícil tirar esse julgamento incrustado em suas mentes. Ainda hoje há muitos recuperados, totalmente curados, que não conseguem um emprego, um casamento. Ou seja, apesar da legislação, suas condições não podem ser melhoradas devido ao preconceito incorporado ao coração das pessoas. No Japão, as famílias que tinham uma pessoa doente viram seus filhos que tiveram a doença sem poder se casar, não só em uma, mas em várias gerações. Isso não acontece agora.

Por isso que eu viajo o mundo para falar contra a discriminação que marginaliza as pessoas afetadas. Mas são os preconceitos, que existem há dois mil anos, que não podem ser superados em dois ou três anos. Muitos compartilham minha perspectiva e andam comigo. Algum dia a discriminação terminará. É mais difícil curar a doença que existe dentro da sociedade do que a própria doença. Meu esforço é para o diálogo com os presidentes e ministros, pessoas com poder de liderança, de modo que minhas mensagens ganhem poder político e levem à solução.

IPS: Como o Japão erradicou a doença de Hansen?

YS: Um caminho foi a ação coletiva dos doentes. Campanhas na mídia por muito tempo para disseminar conhecimento sobre a realidade da doença. Havia também filmes, livros, peças de teatro. No Japão, a hanseníase deixou de ser a doença do silêncio. A nação pediu desculpas pela discriminação e compensou os afetados. Mas, em outros países, os doentes ainda não se uniram para se manifestar. No Brasil há um movimento muito ativo.

IPS: Você coloca como exemplo do que pode ser feito o Movimento Brasileiro de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase, o Morhan. Existem iniciativas semelhantes em outros países?

YS: O Morhan é algo muito proeminente e um modelo. Organizações de pacientes foram formadas na Índia e na Etiópia, mas ainda com influência política limitada. A Fundação Nippon incentiva esse tipo de movimento.

IPS: Você já visitou o Brasil mais de dez vezes. Você verificou avanços nessa visita aos estados do Pará e Maranhão, e a Brasília?

YS: Nessa viagem, não pudemos visitar as casas dos pacientes e falar com eles, mas vimos que os governos nacionais, regionais e locais estão motivados. Podemos expandir nossas atividades aqui. Em qualquer país, se os principais líderes, incluindo os presidentes e primeiros-ministros, tomarem a iniciativa, soluções podem ser aceleradas. Concordamos em preparar um encontro nacional promovido pelo Ministério da Saúde e patrocinado pela Fundação Nippon, se possível com a participação do presidente Jair Bolsonaro, para impulsionar a ação contra a enfermidade. Acreditamos que isso geraria uma forte corrente para reduzir a zero a hanseníase, a discriminação e o preconceito. Com isso, minha visita pode ser considerada muito bem-sucedida.

IPS: O que se destaca entre os resultados da sua visita?

YS: A mensagem que o presidente Bolsonaro divulgou diretamente à população pelo Facebook durante a nossa reunião, com sua opinião dirigida a todos os políticos, sua equipe e funcionários, sobre a necessidade de eliminar a doença. Eu sinto como se tivesse obtido o apoio de um milhão de pessoas que trabalharão conosco.

 

Edição: Estrella Gutiérrez

Tradução para o português: Nanci Vieira

 

Mario Osava

El premiado Chizuo Osava, más conocido como Mario Osava, es corresponsal de IPS desde 1978 y encargado de la corresponsalía en Brasil desde 1980. Cubrió hechos y procesos en todas partes de ese país y últimamente se dedica a rastrear los efectos de los grandes proyectos de infraestructura que reflejan opciones de desarrollo y de integración en América Latina. Es miembro de consejos o asambleas de socios de varias organizaciones no gubernamentales, como el Instituto Brasileño de Análisis Sociales y Económicos (Ibase), el Instituto Fazer Brasil y la Agencia de Noticias de los Derechos de la Infancia (ANDI). Aunque tomó algunos cursos de periodismo en 1964 y 1965, y de filosofía en 1967, él se considera un autodidacto formado a través de lecturas, militancia política y la experiencia de haber residido en varios países de diferentes continentes. Empezó a trabajar en IPS en 1978, en Lisboa, donde escribió también para la edición portuguesa de Cuadernos del Tercer Mundo. De vuelta en Brasil, estuvo algunos meses en el diario O Globo, de Río de Janeiro, en 1980, antes de asumir la corresponsalía de IPS. También se desempeñó como bancario, promotor de desarrollo comunitario en "favelas" (tugurios) de São Paulo, docente de cursos para el ingreso a la universidad en su país, asistente de producción de filmes en Portugal y asesor partidario en Angola. Síguelo en Twitter.

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