P&R: África deve inovar seus sistemas alimentares para vencer a fome e a pobreza

O cientista e diretor-geral do Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA), NTERANYA SANGINGA, fala com o correspondente da IPS Busani Bafana sobre como o instituto está alavancando sua pesquisa bem-sucedida para impulsionar um maior investimento em agricultura.

BULAWAYO, Zimbábue, 11 de fevereiro de 2020 (IPS) – A África precisa investir na agricultura, aplicando mais recursos em pesquisa e desenvolvimento inovadores, que possam aumentar a segurança alimentar e nutricional, de acordo com o cientista Nteranya Sanginga, diretor-geral do Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA), com sede em Ibadan, na Nigéria.

Sanginga apontou que a África não consegue alavancar seus enormes recursos quando se trata de transformar a agricultura para o crescimento econômico. “O investimento em pesquisa na África é baixo, menos de 1%, e quando se trata de agricultura é pior, porque os líderes não entendem a importância da pesquisa”, destacou à IPS. “Hoje, se você acabar com o IITA na África, a pesquisa agrícola morre na África”, enfatizou.

Cidadão da República Democrática do Congo, Sanginga especializou-se em agronomia e microbiologia do solo, e esteve envolvido em pesquisa e desenvolvimento agrícola, particularmente em ecologia microbiana aplicada, nutrição de plantas e gerenciamento integrado de recursos naturais na África, América Latina e Sudeste Asiático.

Sanginga ressaltou que a África deve desenvolver capacidade de pesquisa para inovar seus sistemas alimentares para vencer a fome e a pobreza, e que os jovens são a chave para o futuro alimentar do continente. E destacou que lançou um programa no IITA para ajudar jovens africanos a criar agronegócios lucrativos.

P&R: África deve inovar seus sistemas alimentares para vencer a fome e a pobreza

Agricultores capinando um campo de trigo em Accra, Gana. Foto: Busani Bafana/IPS

Falando em uma reunião dos Líderes Africanos para Nutrição, em Addis Abeba, Etiópia, na semana passada, o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, disse que a África deve investir no desenvolvimento de habilidades para os jovens, para que os empresários do continente possam aproveitar as tecnologias emergentes e transformar o sistema alimentar da África, gerando novos empregos.

    • A população da África deve dobrar para 2,5 bilhões de pessoas em 40 anos, pressionando os governos a oferecer mais alimentos e empregos, além de melhores meios de subsistência.
    • A boa notícia é que o crescimento econômico da África está subindo e deve registrar 3,9% em 2020 e 4,1% em 2021, de acordo com o relatório de perspectivas econômicas africanas do BAD para 2020.
    • Segundo o Banco Mundial, a agricultura e o agronegócio africanos podem valer US$ 1 trilhão nos próximos dez anos. Mas o continente deve superar várias barreiras ao desenvolvimento agrícola, devido à má infraestrutura, acesso limitado ao crédito para os agricultores e baixo uso de insumos e mecanização aprimorados.

A Aliança para uma Revolução Verde na África (Agra) aponta que a África precisa investir até US$ 400 bilhões em agricultura nos próximos dez anos para atender às suas necessidades alimentares. Até a presente data, 44 países africanos assinaram o Pacto Global do Programa de Desenvolvimento Agrícola Africano (CAADP), para investir 10% de seus orçamentos na agricultura e aumentar sua produtividade em pelo menos 6%. Isso segue a Declaração de Maputo sobre Agricultura e Segurança Alimentar, assumida pelos chefes de Estado africanos em 2003.

Sob a liderança de Sanginga, o IITA ganhou o Prêmio África de Alimentos 2018, por suas pesquisas agrícolas de ponta e inovações que aumentaram a nutrição e a renda. Desde a sua fundação, há 50 anos, o IITA desenvolveu variedades novas, melhoradas e de alto rendimento de mandioca, feijão-de-corda, milho, banana, soja e inhame. No geral, o valor das culturas desenvolvidas pelo IITA e seus parceiros atualmente é superior a US$ 17 bilhões, ressaltando-se sua contribuição para a agricultura e a economia africanas.

A seguir, um trecho da entrevista.

INTER PRESS SERVICE: Como o IITA está alavancando sua pesquisa bem-sucedida para impulsionar um maior investimento em agricultura?

NTERANYA SANGINGA: Está sendo iniciado um programa para mudar a mentalidade dos jovens sobre a agricultura. Infelizmente, com nossos governos, é por onde se deve ir para mudar completamente de mentalidade. Provavelmente, 90% de nossos líderes consideram a agricultura basicamente como uma atividade social. Para eles é uma dor, uma penúria. Eles proclamam que a agricultura é uma prioridade na resolução de nossos problemas, mas não estão investindo nela. É necessário que essa mentalidade seja completamente alterada.

Akinwumi Adesina, um colega com quem trabalhei no IITA, e eu discutimos que um dia mudaríamos a maneira como a agricultura seguia. Isso aconteceu quando eu me tornei diretor-geral e ele ministro da Agricultura na Nigéria. Conseguimos mudar a maneira como a agricultura era percebida na Nigéria, mas ele nunca conseguiu que o governo investisse mais de 3% no setor. Portanto, a agricultura deve ser considerada um investimento e dois países da África fizeram isso acontecer: a Etiópia – que está investindo cerca de 20% de seu orçamento na agricultura – e Ruanda.

Devemos investir na agricultura da mesma maneira que investimos na mineração. Por exemplo, a Nigéria importa US$ 5 bilhões em alimentos por ano, comprando arroz da Tailândia e trigo dos Estados Unidos, por exemplo. Sabe-se que o significado disso é que, em vez de criar empregos aqui, estão sendo criados empregos para o cultivo de arroz na Tailândia e de trigo nos Estados Unidos. O IITA provou que é possível produzir arroz e trigo aqui. Uma e outra vez é essa mentalidade dos líderes, que basicamente não entendem que todos os outros continentes desenvolveram-se por meio da agricultura. É preciso defender a agricultura.

IPS: O IITA enfatiza fortemente a abordagem da agricultura como negócio. Quais são as políticas necessárias que criarão uma abertura para isso?

NS: Eu penso que não vamos criar um milagre na África. Deve-se seguir o que outras pessoas fizeram. Adesina iniciou subsídios inteligentes na Nigéria e, em vez de dar dinheiro como você faria nos Estados Unidos ou na Europa, ele começou a comprar equipamentos, fertilizantes e outros insumos para os agricultores, o que está funcionando.

Não vejo outra maneira de ajudar a agricultura na África se não se facilitar nem subsidiar. Lembre-se de que, nos Estados Unidos ou na Europa, se os subsídios forem interrompidos, todos esses agricultores deixarão a agricultura, portanto, é preciso garantir que se encontrará alguma maneira de ajudar nossos agricultores a investir na agricultura. São necessárias liderança e políticas. Por que se permitiria que alguém roubasse US$ 10 bilhões de um país e não fizesse um esforço para investir isso em algo útil?

Além disso, a maioria dos bancos da África considera a agricultura arriscada, mas alguns adotaram iniciativas para ajudar os agricultores. No Quênia, o Equity Bank entendeu que a agricultura é um negócio. Na Nigéria, existe um programa para colocar algum dinheiro e arriscar empréstimos para a agricultura. De fato, o Equity Bank no Quênia emprestou a agricultores e tem menos de 1% de inadimplência em sua taxa de reembolso. Então, realmente a agricultura é um bom negócio, mas os bancos ainda relutam.

Nteranya Sanginga

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