EDUCAÇÃO-INDONÉSIA: Se o aluno não vai à escola, ela vai até ele

Jacarta, 12/02/2010 – Dois anos depois de a crise econômica a forçar a deixar a sala de aula, Nurul Kumala, de 20 anos, voltou à escola. Às escolas móveis, para ser mais preciso.

EDUCAÇÃO INDONÉSIA: Se o aluno não vai à escola, ela vai até ele

O ativista Seto Mulyadi dá uma aula móvel, em uma mesquita de Bintaro, em Jacarta do Sul. - Kanis Dursin/IPS

“Quero melhorar minha vida e a de meus pais”, disse com lágrimas nos olhos quando perguntada por que assiste as aulas para crianças de rua em Bintaro, Jacarta do Sul. Mais de 60 estudantes frequentam as Escolas Móveis de Bintaro, uma iniciativa que oferece ensino em quatro lugares, além de livros didáticos e de leitura, equipamentos para experiências científicas e outros materiais educativos. Também há Escolas Móveis em Senen, Manggarai e Bantar Gebang. Em cada lugar há aula duas vezes por semana.

Desde 2008, a Comissão Nacional para a Proteção da Infância (Komnas Anak), em colaboração com a Fundação Mutiara Indonesia, oferece escolas móveis pensadas para crianças que vivem nas ruas e para estudantes que abandonaram os estudos. “Oferecemos as aulas para que as crianças que vivem na rua possam ir à escola em qualquer lugar, a qualquer momento e com qualquer professor. É uma espécie de escolarização no lar”, disse Seto Mulyadi, ativista pelos direitos da infância e presidente da Komnas Anak.

Metade dos alunos de Bintaro abandonaram a escola primária, a secundária básica ou a secundária superior, e se dedicam a vender jornal, garrafa de água, comida artesanal e cigarros, ou fazem teatro de rua para ganhar a vida. O restante procede de famílias pobres que não podem sustentar a educação formal de seus filhos. Kumala, a mais velha de quatro irmãos, explica que ela e outros quatro estudantes que haviam abandonado a escola secundária superior frequentam as escolas móveis para fazerem os exames nacionais em março e, possivelmente, se matricular em uma universidade. “As aulas são lindas. Aprendo muito aqui. Os professores também são afetuosos e pude fazer novos amigos”, afirma.

As crianças e os jovens sofreram a pior parte da crise econômica de 2008 e 2009, segundo a Komnas Anak. Cerca de 2,5 milhões dos 26,3 milhões de crianças e adolescentes de 7 a 15 anos de idade não tiveram acesso à educação obrigatória em 2009, enquanto 1,87 milhão dos 12,89 milhões de jovens entre 13 e 15 anos não tiveram nenhum tipo de educação. Muitos dos que abandonaram a escola acabaram na rua como vendedores ambulantes, aumentando a população infantil que vive nessa situação de 36 mil, em 1997, para 233 mil em 2010, segundo o Ministério de Assuntos Sociais. “A crise agravou a pobreza e as violações dos direitos da infância, como os de educação e serviços de saúde”, lamentou Mulyadi.

A Komnas Anak recebeu 1.998 denúncias de violência contra crianças em 2009, contra 1.736 em 2008. Pelo menos 62,7% desses casos foram de violência sexual, e o restante de violência física e psicológica. “Paradoxalmente, estes casos tiveram lugar principalmente na família, na escola, em outras instituições educacionais e no contexto social das crianças”, disse a Comissão em seu informe de 2009. Além disso, no mesmo ano registrou 1.258 casos de adolescentes que cometeram crimes como violação, venda de drogas, apostas ilegais e ataques físicos. “Quase 90% desses menores acabaram condenados e presos, e o restante foi entregue ao Ministério de Assuntos Sociais ou aos seus pais”, diz o informe.

No ano passado, a Comissão recebeu denúncias de 836 casos de tráfico de menores, contra 507 em 2008. Segundo Mulyadi, a resposta do governo à situação da infância foi marginal, se comparada com a resposta à crise financeira e econômica de 1997/98. “O governo não fez o suficiente para proteger os direitos das crianças e dos adolescentes”, afirmou o ativista, acrescentando que as autoridades tendem a vê-los como fonte de problemas e não como vítimas da falta de atenção para suas necessidades.

Para Harry Kikmat, diretor do serviço social da infância do Ministério de Assuntos Sociais, não há dúvidas de que a crise atingiu duramente a infância e a juventude da Indonésia. “A Agência Central de Estatísticas ainda não divulgou a quantidade de crianças abandonadas em 2009, mas estima-se que o número aumentou 7% em relação aos 5,4 milhões de casos registrados em 2006”, disse à IPS. Em 2008, o Ministério implementou o Programa de Transferência Social, para atender meninas e meninos que precisam de proteção especial, como as vítimas da exploração, da violência, do tráfico infantil e da negligência, bem como das crianças em situações de emergência.

Quanto aos programas de alívio da pobreza, “concentram-se na geração de renda e no crescimento econômico, mas não em recursos humanos, por exemplo, para ensinar as famílias pobres a gastar a renda adicional na educação de seus filhos”, disse Hikmat. Para os professores das escolas móveis, motivar meninas, meninos e adolescentes a assistir as aulas regularmente é um dos maiores desafios. “A maioria das crianças de rua que vêm à aula já têm sua própria renda e não apreciam realmente a importância da educação”, disse Otty Wikrama, um professor voluntário das escolas móveis em Bintaro. “Mas estamos decididos a acabar com o ciclo da ignorância com nossos limitados recursos”, ressaltou.

* Este artigo foi produzido pela IPS Ásia-Pacífico dentro de uma série sobre o impacto da crise econômica mundial nas crianças e nos jovens, em associação com o Escritório Regional do Unicef para Ásia Oriental e Pacífico.

Kanis Dursin

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