Vodka, essa assassina

vodka 300x225 Vodka, essa assassina

Garrafas e copos de vodka, a aguardente por excelência da Rússia, cujo consumo está deixando um rastro de morte. Foto: Pavol Stracancsky/IPS

Moscou, Rússia, 19/2/2014 – Sentada no restaurante de um hotel moscovita, sua gerente, Yulia Golovanova, explicou porque gosta mais de ver chegarem hóspedes russos do que estrangeiros. “É só observá-los”, disse à IPS, apontando para oito homens bem vestidos que sentam à uma mesa e imediatamente pedem vodka. “Chegam, pedem uma rodada após outra e continuam bebendo sem parar. Quando há um grupo grande, podem gastar quantias enormes apenas em álcool”, ressaltou.

Menos de uma hora depois, os homens sentados à mesa haviam bebido cada um pelo menos um quarto de litro de vodka, bem como vários copos de cerveja ou vinho, e sem dar sinais de parar. A cena – um grupo de homens consumindo bebidas brancas – está longe de ser rara em um país com uma das maiores taxas mundiais de ingestão de álcool por habitante e onde a excessiva indulgência com o alcoolismo está arraigada na cultura. Mas o hábito de abusar de bebidas alcoólicas com os anos provoca uma exagerada quantidade de vítimas e pode ter consequências desastrosas se nada for feito, alertam especialistas.

“Se tudo continuar como está, ou se o consumo de álcool continuar aumentando, seus efeitos negativos na saúde e em males associados, como a violência doméstica, só vão piorar”, disse à IPS a diretora do Centro Nacional para o Controle da Saúde Pública, com sede em Moscou, Tatiana Mironova. Segundo o Ministério da Saúde, o consumo anual de álcool na Rússia é de 13,5 litros por pessoa, duas vezes a média mundial e muito acima do limite de perigo, que a Organização Mundial da Saúde fixa em nove litros.

Um estudo publicado em janeiro na revista médica The Lancet mostra que um quarto dos homens russos morrem antes dos 55 anos e que a maioria das mortes está vinculada a um grande consumo de álcool. Na Grã-Bretanha estão nessa condição 7% dos homens e nos Estados Unidos apenas 1%. A particularidade desse problema na Rússia está na forma como se bebe, com uma grande prevalência de bebedeira e intoxicações severas, e a preferência pelas bebidas destiladas ou aguardentes.

Embora alguns outros países europeus tenham taxas de consumo pessoal maiores do que a da Rússia, a bebida preferida nesse país, sobretudo pelos homens, é a vodka, também ingerida em excesso. Os efeitos desse abuso são evidentes. Essa mortalidade prematura contribui para agravar a atual redução demográfica que sofre a Rússia. E o governo estima perder cerca de US$ 100 bilhões por ano devido ao consumo abusivo e ao alcoolismo.

Outros estudos indicam que pelo menos três quartos dos assassinatos e quase metade dos suicídios acontecem na Rússia sob os efeitos do álcool, que também é um fator coadjuvante de uma quantidade esmagadora de mortes por afogamento, incêndios e quedas. As autoridades policiais e judiciais também apontam o papel significativo que tem o álcool nas altas taxas de criminalidade, violência doméstica e sexual e abuso infantil. “Tanto o governo como a sociedade sabem dessa relação direta entre o excesso de álcool e os problemas sociais”, pontuou Mironova.

Os sociólogos costumam se referir à propensão russa para a bebida como parte de uma necessidade popular histórica de fugir da pobreza e dos regimes repressivos. O preço tradicionalmente baixo e a onipresença da vodka também a tornam sempre acessível a boa parte da população. Meio litro de vodka custa o equivalente a US$ 4,5 após o último aumento de preço.

O consumo abusivo e o alcoolismo generalizado em todo o país são amplamente documentados desde os tempos dos czares e da era socialista da União Soviética (1922-1991) até a atual sociedade capitalista. As autoridades tentaram enfrentar essa tendência. Em 1985, o então secretário-geral do governante Partido Comunista, Mikahil Gorbachov, adotou uma série de medidas para reduzir a produção, restringir a venda e elevar os preços.

Embora fossem medidas muito impopulares, tiveram um impacto sanitário imediato. O consumo caiu 25% e também diminuiu a mortalidade prematura. Mas quando essas restrições foram levantadas, após a dissolução da União Soviética, a ingestão de álcool voltou a subir, junto com as mortes prematuras. Nos últimos anos, o Kremlin tenta novamente diminuir o consumo perigoso mediante uma série de leis que limitam a venda e a publicidade e estabelecem preços maiores. Ao que parece, estas médias têm certo êxito.

O estudo divulgado pela The Lancet mostra que a mortalidade prematura se mantém muito elevada (mais de quatro vezes acima da média da Europa ocidental), mas caiu um terço desde 2006, quando entraram em vigor as últimas restrições. No mesmo período diminuiu o consumo de bebidas destiladas em porcentagem semelhante.

“Isso ilustra que as mudanças legais adotadas a partir de 2005 tiveram impacto e que, com mais esforços, a taxa de mortes prematuras (por álcool) podem diminuir ainda mais. Não é impossível”, destacou à IPS o epidemiologista Richard Peto, professor da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, e coautor do estudo.

Os especialistas concordam que aumentar os preços é crucial para conseguir maiores avanços, enquanto o controle das vendas e da publicidade deve ser mantido ou mesmo ficar mais severo. Mas só isso não basta, afirmam. “São necessárias medidas para limitar o mercado e a venda, além de esforços ativos para reduzir a demanda. Ações preventivas e educativas com a população, bem como prevenção do abuso no local de trabalho e no nível primário de atendimento de saúde”, disse Mironova.

O governo parece comprometido a melhorar os padrões de saúde. Além das limitações à vodka, é proibido fumar em lugares públicos e se restringiu a venda de cigarros. Os planos das autoridades incluem uma sucessão de aumentos no preço da vodka pelo menos até 2015 e baixar o consumo pessoal para oito litros por ano. Mas é difícil prever que grau de êxito terão estas políticas em um país onde muitos habitantes admitem que a ingestão abundante de aguardente é uma parte integral de sua cultura.

Em seu restaurante, a hoteleira Golovanova observa em silêncio enquanto os homens de negócios pedem mais e mais doses de vodka. “A bebida causa tantos problemas na Rússia, mas os russos não acreditam que seja um problema. Acreditam que é algo completamente normal”, indicou à IPS. Envolverde/IPS

Pavol Stracancsky

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