Os “nascidos livres” da África do Sul não têm vontade de votar

Nhlalala Os “nascidos livres” da África do Sul não têm vontade de votar

Nhlalala Rithatso, de Limpopo, aluna do terceiro ano, no campus da Universidade da Cidade do Cabo. Foto: Rebekah Funk/IPS

 

Cidade do Cabo, África do Sul, 6/5/2014 – Nas eleições gerais de amanhã, pela primeira vez na história democrática da África do Sul, poderá votar quem nasceu depois do apartheid, na “nação do arco-íris” que Nelson Mandela inaugurou em 1994. Mas muitos deles não veem sentido na votação. Os “nascidos livres” representam cerca de dois milhões dos 31,4 milhões de eleitores desse país de 53 milhões de habitantes, mas a escassa proporção deles que se registrou para votar surpreende políticos e analistas.

Os jovens de 18 a 20 anos não viveram a luta contra o regime segregacionista branco do apartheid que vigorou entre 1948 e 1994, mas enfrentam as lutas próprias de sua grandeza, como desemprego abismal, corrupção institucional, gangues, violência, HIV/aids, desigualdade de renda e falta de acesso a educação. Porém, apenas um terço, cerca de 683 mil nascidos livres, se registraram para votar, segundo a Comissão Eleitoral Independente da África do Sul.

Para os especialistas não está claro se a falta de interesse se deve à apatia, uma tendência mundial entre os jovens, ou a algo completamente diferente. “É provável que a juventude considere suas atividades políticas e suas responsabilidades sociais de maneira muito diferente daquela da época de seus pais e avós”, opinou o vice-reitor e diretor da Universidade de Witwatersrand, Adam Habib. “A apatia é uma tendência mundial. A juventude da África do Sul não é diferente dos jovens norte-americanos, britânicos, europeus ou indianos. Seria injusto qualificá-la de apolítica em seu conjunto”, acrescentou.

Frequentemente os jovens não consideram as eleições nem o ativismo político como um dever, segundo Habib, em parte por estarem decepcionados pela falta de progressos desde as eleições de 1994, que inauguraram a democracia. “As pessoas se sentem deslocadas. Sentem que os políticos não defendem seus interesses. Sentem que o voto não faz diferença alguma”, ressaltou.

O acadêmico acredita que os números de desemprego juvenil e a desigualdade de renda dos jovens são “precários” e alerta que os políticos têm de resolver esses problemas se pretendem atrair o voto da juventude. Mais de 40% da população sul-africana tem menos de 20 anos, por isso é crucial que os partidos políticos reavaliem suas propostas e atendam as necessidades dos jovens, afirmou Habib.

Os nascidos livres serão cerca de um terço dos eleitores nas próximas eleições gerais de 2019, explicou o vice-reitor. “O impacto dos nascidos livres mudará fundamentalmente a maneira como a sociedade pensa, se comporta, reflete seus desafios, protesta contra as atrocidades”, pontuou. “Sabe o que estão pensando? Sabe o que querem? Sabe se o sistema que está propondo pode atender suas inquietações?”, perguntou o vice-reitor. Faltará algo mais do que mensagens de texto, anúncios no Youtube e campanhas nas redes sociais para conquistar os eleitores jovens, acrescentou.

Um estudo recente, realizado por pesquisadores independentes da empresa FutureFact entre 262 nascidos livres de áreas urbanas e rurais, revelou que 64% dos entrevistados têm “escasso ou nenhum interesse na política”.

Xolisa Ngcwabe, de 20 anos, é um nascido livre que não votará amanhã. Ele cursa estudos de grau 12 em um colégio da Cidade do Cabo e disse que o sistema político falhou com os jovens. “Na verdade, não me interessa votar porque não creio que meu voto mude algo”, afirmou. “O governo tem de oferecer resultados e não o fez”, disse o jovem sobre o fato de a administração do Conselho Nacional Africano (CNA) nem mesmo fornecer serviços básicos como água corrente, livros escolares e banheiros que funcionem nos assentamentos informais e municípios pobres.

Ngcwabe é um dos muitos desiludidos com o presidente Jacob Zuma e seu governante CNA. Segundo a pesquisa da FutureFact, cerca de 70% dos entrevistados consideram que o CNA está se afastando dos princípios democráticos que tanto lutou para pôr em prática, e 75% são pessimistas sobre o futuro da África do Sul devido à falta de transparência do governo e à sua incapacidade para aplicar as decisões políticas.

Os que protagonizaram a luta contra o apartheid não têm cuidado com os votantes nascidos livres, algo que os partidos mostram frequentemente para obter apoio, segundo a analista política Susan Booysen. “As conversações de grupos de referência juvenis, em particular de jovens negros, raramente se referem à luta de libertação e à necessidade de recompensar o CNA pela liberdade conquistada”, escreveu Booysen no informe Vinte Anos de Democracia Sul-Africana: Opiniões dos Cidadãos Sobre Direitos Humanos, Governança e Sistema Político.

Os partidos devem levar em conta que os nascidos livres, como Alexandra Goldberg, de 20 anos, não têm interesse pelo passado. “Sinto que o governo não sabe o que está fazendo e que culpa o apartheid por tudo, como um mecanismo de defesa”, apontou essa aluna da Universidade da Cidade do Cabo. “É muito frustrante. Olhemos para a frente e busquemos um objetivo real”, acrescentou.

Mas, ao contrário de outros jovens, essa frustração empurrou Goldberg às urnas, junto com o conselho de seu pai. “Meu pai apresentou um bom argumento: se não votar não poderá se queixar. Com a história da África do Sul, não votar é como uma bofetada na cara. Lutou-se tanto pelo voto”, ressaltou a jovem. Victor Hlatshwayo, de Vereeniging, de 19 anos concorda. “Quero poder escolher. Ouvi que não votar é como fazê-lo pelo CNA. Estou pesquisando sobre todos os partidos, ouvindo o que dizem e vendo o que na realidade fazem”, afirmou. Envolverde/IPS

Rebekah Funk

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