A retirada do Ocidente gera preocupação no Afeganistão

Afganistan A retirada do Ocidente gera preocupação no Afeganistão

Vendedores ambulantes em Mazar-e-Sharif, na província de Balj, no norte do Afeganistão, onde a retirada do Ocidente começar a causar preocupação. Foto: Giuliano Battiston/IPS

 

Cabul, Afeganistão, 16/11/2014 – O comando conjunto da Força Internacional de Assistência à Segurança (Fias), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e os Estados Unidos, baixou  sua bandeira pela última vez no Afeganistão no dia 8 deste mês, depois de 13 anos. A missão da Fias terminará oficialmente no dia 31, e em 1º de janeiro de 2015 será substituída pelo Resolute Support (Apoio Decidido), que terá mandato menor para treinar, assessorar e dar assistência às Forças de Segurança Nacional Afegãs.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, prometeu continuar com a assistência nos próximos anos, mas em Cabul muitos temem que os interesses dos doadores por esse país comece a diminuir e que o Afeganistão provavelmente saia do foco, porque a história já mostrou que, quando as tropas saem de um Estado, os fundos costumam baixar.

“Nos preocupa muito a saída econômica do Ocidente. O país ainda é frágil, por isso acreditamos que a comunidade internacional deve estar comprometida com a Década da Transformação, de 2015 a 2024, até que o país possa se manter sozinho”, opinou à IPS Mir Ahmad Joyenda, subdiretor da Unidade de Avaliação e Pesquisa do Afeganistão (Arei).

O produto interno bruto (PIB) do Afeganistão multiplicou pouco mais de quatro vezes entre 2003 e 2012, mas em grande parte o crescimento econômico foi impulsionado pela assistência e pelos investimentos internacionais.

Desde a intervenção liderada pelos Estados Unidos em 2001, o Afeganistão foi o centro de importantes investimentos em segurança e de ajuda internacional, convertendo-se no principal beneficiário da ajuda ao desenvolvimento desde 2007, disse Lydia Poole, no informe Afeganistão Depois de 2014. A Assistência e a Década da Transformação, preparado para a organização Global Humanitarian Assistance.

Os dados reunidos por Poole, mostram que “esse país recebeu US$ 50,7 bilhões de assistência oficial ao desenvolvimento (ODA) entre 2002 e 2012, incluídos US$ 6,7 bilhões de ajuda humanitária”. A ODA “aumentou de forma sustentada, de US$ 1,1 bilhão em 2002 para US$ 6,2 bilhões em 2012”.

No dia 4, delegações de 59 países e representantes de várias organizações internacionais se reuniram na Conferência de Londres sobre o Afeganistão, convocada pelos governos da Grã-Bretanha e do Afeganistão, para reafirmar os compromissos humanitários e com o desenvolvimento desse país impactado pela guerra.

A Conferência de Londres foi uma continuação da de Tóquio, em 2012, quando a comunidade internacional prometeu US$ 16 bilhões para atender as necessidades econômicas para o desenvolvimento civil até 2015, com base em um acordo conhecido como Marco de Responsabilidade Mútua de Tóquio. Em Londres, a comunidade internacional reafirmou o compromisso de Tóquio e a vaga disposição de “apoiar até 2017 com, ou cerca de, os níveis da década passada”.

Porém, a reunião londrina “não gerou novos compromissos para aumentar a ajuda, por isso a queda da renda nacional para 8,7% do PIB, abaixo do máximo de 11,6% de 2011, deixa o Afeganistão com uma severa e crescente brecha fiscal”, afirmou John F. Sopko, inspetor-geral especial para a Reconstrução do Afeganistão, em uma reunião da Fundação Carnegie para a Paz Internacional.

Com a iminente retirada dos soldados da Otan, a economia afegã já está sob pressão. “Estimamos que o crescimento caiu 1,5% em 2014, em relação aos 9% de média na década anterior”, disse Sri Mulyani Indrawati, diretor do Banco Mundial, no dia 4, em Londres.

Além disso, muitos indicadores do Informe de Perspectiva sobre as Necessidades Humanitárias do Afeganistão, do Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários, mostram que ainda há uma situação de emergência: 1,2 milhão de crianças sofrem má nutrição aguda; cerca de 2,2 milhões de afegãos estão em situação de grave insegurança alimentar. Também indica que essa insegurança afeta quase oito milhões de pessoas, com outros 2,4 milhões considerados em situação grave e 3,1 milhões moderada.

Apesar dos muitos riscos associados à retirada do Ocidente, Joyenda prefere destacar as oportunidades e defender uma mudança fundamental de atitude. “A comunidade internacional deve aproveitar esta oportunidade para reequilibrar as prioridades: menos dinheiro para segurança e armas, mais dinheiro para a reconstrução e cooperação civil”, disse à IPS.

Desde 2011, o principal foco do gasto internacional no Afeganistão se concentrou quase completamente na segurança. Quando se chegou ao máximo de efetivos, cerca de 132 mil soldados em 2011, “O gasto das duas principais operações militares internacionais – a Isaf, da Otan, e a Operação Liberdade Duradoura, encabeçada pelos Estados Unidos – chegou a US$ 129 bilhões, em relação aos US$ 6,8 bilhões para a ODA, e dos quais US$ 768 milhões foram em assistência humanitária”, escreveu Poole.

“Também precisamos alinhar os fundos com o planejamento econômico do Estado”, afirmou Nargis Nehan, diretor-executivo e fundador da organização Igualdade para a Paz e a Democracia, que defende a igualdade de direitos para a sociedade afegã. Estes consistiram em uma mescla de componentes militares, de desenvolvimento e civis, combinando assistência humanitária e para o desenvolvimento com as agendas dos atores de segurança e de política externa.

“O marco político nunca foi o adequado”, disse à IPS Thomas Rutting, um dos diretores e fundadores da Rede de Analistas do Afeganistão, com sede em Cabul. “Nos últimos anos, a comunidade internacional esteve mais ocupada, ao menos o governo, com a preparação da saída e o desenho de uma narrativa positiva, em lugar de se preocupar com os afegãos que ficaram para trás”, acrescentou.

“O Afeganistão é um Estado recebedor de ajuda há 150 anos, e dependerá ainda por um tempo da ajuda externa. Nessa fase temos que reduzir a dependência do país dos doadores, não podemos simplesmente partir. Temos a responsabilidade política de cumprir nossos compromissos”, destacou Rutting. Envolverde/IPS

Giuliano Battiston

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