Luta antiterrorista não justifica a tortura, adverte a ONU

ONU Luta antiterrorista não justifica a tortura, adverte a ONU

Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al-Hussein. Foto Jean-Marc Ferré/ONU

 

Nações Unidas, 9/2/2015 – A Organização das Nações Unidas (ONU) se preocupa cada vez mais com que países justifiquem a violação de tratados internacionais de direitos humanos com a finalidade de combater o terrorismo nas zonas de conflito. Esses instrumentos, dos quais a ONU é representante legal, proíbem a tortura, a prisão ilegal, o tratamento degradante dos prisioneiros de guerra e os desaparecimentos forçados, entre outras coisas.

“Essa lógica se propaga no mundo de hoje: torturo porque uma guerra o justifica. Espiono meus cidadãos porque o terrorismo, repugnante como é, assim exige”, afirmou, em alusão direta às potências mundiais, o alto comissário da ONU para os direitos humanos, o jordaniano Zeid Ra’ad Al-Hussein.

“Não quero novos imigrantes, ou discrimino as minorias, porque minha identidade comunitária ou minha forma de vida estão ameaçadas como nunca. Mato os demais, porque os demais já me mataram, e assim sucessivamente”, acrescentou Al-Hussein no dia 5, no Museu da Memória do Holocausto, em Washington. Ele acrescentou que o mundo precisa de uma “liderança profunda e inspiradora”, guiada pela preocupação com os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todas as pessoas.

“Precisamos de líderes que cumpram plenamente essas leis e esses tratados redigidos para erradicar todo tipo de discriminação, a privação de milhões, e as atrocidades e o excesso na guerra, sem desculpas. Só então poderemos nos ajudar a sair da série atual de graves, e aparentemente inesgotáveis, crises que ameaçam nos absorver”, destacou Al-Hussein.

No ano passado, a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos foi acusada de submeter suspeitos de terrorismo a torturas que denomina “técnicas de interrogatório melhoradas”, entre elas o submarino, ou simulacro de afogamento, privação do sono e coerção física. Os países ocidentais, que participaram de ataques aéreos no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, justificaram milhares de mortes de civis como “danos colaterais”, embora na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança da ONU continuem defendendo a doutrina dos direitos humanos e o sagrado que é a vida da população civil.

Vários países, entre eles Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão, aplicam a pena de morte para os acusados de terrorismo e o flagelo em público de blogueiros e dissidentes políticos como parte de sua luta antiterrorista. No final de janeiro, a organização extremista Estado Islâmico assumiu o assassinato do piloto Mu’ath al Kassassbeh, da Força Aérea da Jordânia, país que integrou uma coalizão que fez ataques aéreos contra suas fileiras. Como represália, a Jordânia executou dois presos vinculados à rede extremista Al Qaeda. “Foi olho por olho”, afirmou uma fonte jordaniana.

Em dezembro, 117 dos 193 Estados membros da ONU adotaram uma resolução da Assembleia Geral que pede uma moratória para a pena de morte. Mas as execuções prosseguem. Para o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, “a pena de morte não tem lugar no século 21”.

Javier El-Hage, advogado da organização independente de direitos humanos Human Rights Foundation, com sede nos Estados Unidos, disse à IPS que apoia o chamado do alto comissário por uma “melhor liderança” e “pela exortação mundial pela educação” como as principais armas das quais o planeta se beneficiaria na luta contra as “causas dos piores conflitos e atrocidades”.

Al-Hussein destacou que deve-se ensinar a meninos e meninas o que são a “intolerância e a patriotada”, “os terríveis males que podem produzir”, e que “as figuras de autoridade podem aproveitar a obediência cega com fins perversos”.

As piores atrocidades “foram causadas por líderes intolerantes, patrioteiros e autoritários, que mediante o monopólio na educação e informação, com a repressão da dissidência e da imprensa independente, impõem agendas econômicas, nacionalistas, racistas ou religiosas radicais, de tal modo que sufocam os diretos das minorias e os dissidentes de todo tipo”, afirmou El-Hage.

Por exemplo, argumentos nacionalistas, racistas ou religiosos foram usados contra os judeus na Alemanha nazista, ucranianos na União Soviética, curdos na Turquia, negros na África do Sul do apartheid, e inclusive na maior parte do mundo ocidental até a abolição da escravidão. Essas ideologias discriminatórias ainda são empregadas contra os povos uigures e tibetanos na China e contra fiéis cristãos e muçulmanos pelas ditaduras teocráticas do Oriente Médio, sejam aliadas das democracias industrializadas, como Arábia Saudita e Jordânia, ou não, como Irã e Síria.

Al-Hussein destacou que a lei internacional de direitos humanos representa uma síntese da experiência da humanidade com atrocidades e as soluções para impedi-las. Mas, queixou-se, hoje, com muita frequência, os governantes optam por violar essas leis. “Nos anos após o Holocausto, foram negociados tratados específicos para converter em lei as obrigações de proteção dos direitos humanos. Países do mundo inteiro os aceitaram e agora, lamentavelmente, com demasiada frequência os ignoram na prática”, acrescentou o alto comissário.

Segundo Al-Hussein, as represálias contra atrocidades, como o assassinato do piloto jordaniano, têm um impacto limitado. “Simplesmente bombardeá-los ou eliminar suas vias de financiamento claramente não funcionou, já que esses grupos proliferaram e cresceram em força. O que se precisa é a incorporação de um tipo diferente de linha de batalha, uma que liberte principalmente governantes e países muçulmanos, baseada nas ideias”, sugeriu.

Também observou um efeito em cadeia nos direitos civis e políticos em outros países. “O espaço para a dissidência em muitos países está entrando em colapso sob o peso de estratégias antiterroristas mal idealizadas ou mesmo abusivas. Os defensores dos direitos humanos estão, portanto, sob uma enorme pressão em muitas partes do mundo. Correm o risco da prisão ou pior”, enfatizou Al-Hussein. Envolverde/IPS

Thalif Deen

Thalif Deen, IPS United Nations bureau chief and North America regional director, has been covering the U.N. since the late 1970s. A former deputy news editor of the Sri Lanka Daily News, he was also a senior editorial writer for Hong Kong-based The Standard. He has been runner-up and cited twice for “excellence in U.N. reporting” at the annual awards presentation of the U.N. Correspondents’ Association. A former information officer at the U.N. Secretariat, and a one-time member of the Sri Lanka delegation to the U.N. General Assembly sessions, Thalif is currently editor in chief of the IPS U.N. Terra Viva journal. Since the Earth Summit in Rio de Janeiro in 1992, he has covered virtually every single major U.N. conference on population, human rights, environment, social development, globalisation and the Millennium Development Goals. A former Middle East military editor at Jane’s Information Group in the U.S, he is a Fulbright-Hayes scholar with a master’s degree in journalism from Columbia University, New York.

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