Zebras camufladas entre grades

Em dez anos, estima-se que quase seis milhões de pássaros foram comercializados ilegalmente no país. Foto: Shutterstock

Em dez anos, estima-se que quase seis milhões de pássaros foram comercializados ilegalmente no país. Foto: Shutterstock

Por Alexandre Gonçalves Jr e Carolina de Barros*

O público tem acesso aos animais, mas nem sempre à realidade por trás de estarem eles ali, o que não o impede de criar ideias e estigmas. Mas, na verdade, como funciona a situação de cativeiro de animais?

Animais selvagens. Quando alguém diz isso, a primeira coisa que vem à cabeça são imagens de um grande mamífero correndo pela savana ou uma ave de penas coloridas voando em alguma floresta tropical. A ideia de um animal selvagem remete a liberdade, a um ambiente silvestre, remoto e intocado. No entanto, essa fera imaginária está muito distante da realidade e, talvez, bem mais perto.

Da natureza direto para atrás das grades. Este é o caminho para alguns animais que têm a liberdade sequestrada por contrabandistas de animais silvestres. Em dez anos, estima-se que quase seis milhões de pássaros foram comercializados ilegalmente no país, incentivando um mercado negro e R$ 7 bilhões em uma década. Ao serem capturados, esses animais passam a viver em constante estresse, permanecendo horas em viaturas, debaixo de sol e grande circulação de pessoas, com insuficiência de alimento e água, ficando cada vez mais debilitados. Devido ao enfraquecimento, a maior parte destes animais não pode retornar a seu habitat natural, tendo de ser enviados a um local apropriado onde se possa proceder a catalogação ou classificação das espécies e em seguida, rumar a um centro de manejo, como zoológicos. Nestes locais, eles são instalados em recintos, visíveis ao público. Assim, os animais que uma vez estavam isolados na natureza, viram atração. Mas, até que ponto o bem-estar do animal deve ser sacrificado em detrimento do entretenimento do ser humano?

Dois ursos polares vieram direto da Rússia para o Brasil em dezembro de 2014, para serem expostos no Aquário de São Paulo. O local passou por uma intensa manutenção para poder abrigar os gigantescos mamíferos em 1.500 m², adaptando locais para que eles pudessem viver o mais semelhante possível ao seu ambiente natural. Esse fato desencadeou uma enorme polêmica: visitantes afirmaram nas redes sociais e em protestos por parte de ONGs que os ursos, Aurora e Pelegrino, foram retirados da natureza. Entretanto, segundo o Aquário de São Paulo em nota, eles foram retirados de um circo que não possibilitava o desenvolvimento deles. Luan Henrique Moraes, biólogo encarregado do setor de mamíferos do Zoológico de São Paulo, disse que, diferente do que foi veiculado nas redes sociais, os dois ursos viviam em condições precárias e sob maus tratos, antes de serem recolhidos pelo Aquário. Segundo o biólogo, atualmente, zoológicos e demais centros de exposição de animais não podem capturar animais direto da natureza; os recebidos são recuperados do tráfico através de um trâmite com a Secretária do Maio Ambiente e o IBAMA, e inseridos em programas de tratamento ou reabilitação.

Em 30 de abril de 2015, foi instaurada uma Instrução Normatiza pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) que institui e normatiza as categorias de uso e manejo de fauna silvestre em cativeiro, levando em conta qual a finalidade de determinado animal, seja para atender demandas de pesquisas científicas, de conservação, exposição ou reprodução, entre outros. “Nem todos os animais que recebemos podem ser reabilitados e devolvidos para a natureza. Alguns estão muito prejudicados fisicamente ou já desaprenderam comportamentos que favorecessem sua sobrevivência, tendo que ficar retidos no zoo. Mas tudo isso passa, antes, por um processo de triagem e dependendo do veredicto dado pelos zootecnistas e veterinários, estabelecemos o tratamento mais adequado”, afirmou Moraes.  Há uma comissão de ética que determina se o animal está apto a ser devolvido ao ambiente ou não. Animais que apresentem problemas de saúde ou desgastes psicológicos devido ao tempo cativos, ficam nos centros de manejo. Filhotes apreendidos normalmente também não são soltos, uma vez que sem a mãe não aprendem a sobreviver em habitats naturais.

Zebra em zoológico de São Paulo. Foto: Reprodução/ Youtube

Zebra em zoológico de São Paulo. Foto: Reprodução/ Youtube

Existe, porém, uma preocupação desses locais para manter o ambiente em que os animais passarão a viver o mais próximo possível do natural. Os recintos são estruturados de acordo com a Normativa 169, do IBAMA, que determina os tamanhos e características que devem estar presentes em cada tipo de recinto (lago, troncos, árvores, aclimatização etc) de acordo com a espécie. No Zoo de São Paulo, ainda conta Moraes, há um Programa de Enriquecimento em Comportamento Animal, cuja função é adaptar o animal ao novo local, para que possa, a partir dele, suprir suas necessidades biológicas – exercícios, forragear, buscar por comida e o próprio contato com outros animais da espécie.

“É importante tentar fazer com que o animal expresse a biologia dele, como se estivesse livre”, ele completa. Esses recintos são adequados com pontos de fuga. Tratam-se de lugares estrategicamente feitos para o animal se esconder. Quando esses animais não querem ser vistos, entram nesses lugares, ficando assim longe dos olhares dos visitantes, evitando assim que tenham altos níveis de stress pelo contato com o público. Além disso, nem todos os animais que estão no zoológico são expostos ao mesmo tempo ou durante o ano todo. Por exemplo, quando há mais de um indivíduo da mesma espécie, costuma-se fazer um rodízio entre o animal que está em exposição, reduzindo assim seu desgaste.

Quando perguntado se o contato direto com humanos era prejudicial para as espécies, Moraes disse que tentam ao máximo manter uma distância do animal, tanto para segurança dos tratadores, quanto para do próprio animal. Mas é inevitável que um animal que teve contato, desde filhote ou por muito tempo, com humanos, seja mais dócil do que um selvagem. Isso inviabiliza, depois, seu retorno ao ambiente. “Tivemos no Zoo o caso de um tamanduá-mirim, o Batutinha, amamentado pelos tratadores. Hoje, se o soltássemos na natureza, ele não saberia conseguir comida e qualquer humano que visse, seria para ele um lugar de fonte de alimento. Isso facilita que o animal seja capturado por contrabandistas ou maltratado, essa falta de medo do humano”, contou.

Carlos Santana, biólogo pós-graduado em Manejo de Animais Selvagens, que trabalha em criadouros com manejo, comportamento e enriquecimento, é favorável a manter animais cativos, em certos casos. Segundo ele, os zoos atualmente são muito mais do que uma coleção de animais. Eles exercem importantíssimas funções como, educação, conservação e pesquisa.  Há ainda uma fiscalização por parte dos órgãos responsáveis do governo, evitando que “zoológicos ruins” continuem a existir, mantendo só aqueles que seguem os padrões adequados. Caso contrário, a posse dos animais é retirada e eles são realocados. No entanto, é categórico: “expor, só para lazer, sou contra”.

Ele afirma que a presença desses animais é, também, uma maneira importante de educação ambiental. Grande parte das pessoas jamais terá contato direto com um animal selvagem. Apesar das mídias propiciarem outras maneiras de conhecê-los, nada se assemelha a ver o verdadeiro bicho, ao vivo. “O que impressiona é estar na frente de um ser vivo, em carne e osso, ouvindo, cheirando, vendo o que faz e absorvendo detalhes”. Isso pode ser um estímulo para se buscar uma maior compreensão do mundo natural e desencadear um esforço de conservação. Muitos zoológicos atualmente possuem programas de educação ambiental. No Zoo de São Paulo, existe a Divisão de Ensino e Divulgação, responsável por estabelecer o contato dos visitantes com os animais de uma maneira mais educacional, a partir de visitas assistidas e de interações com o backstage do zoológico. Essa divisão atende, principalmente, a crianças e idosos, tendo ainda um convênio com os idosos do Centro de Gerontologia da Universidade de São Paulo, que participam de atividades uma vez por semana.

“Se quisermos salvar muitas espécies selvagens e restaurar ecossistemas, precisamos saber como as espécies-chave vivem, agem e reagem. Ser capaz de estudar os animais em zoológicos, onde há menos risco e menos variáveis, significa que mudanças reais podem ser efetuadas sobre as populações selvagens, com muito menos problemas”, afirma Santana, ressaltando a importância dos centros de manejo para, também, desenvolver a pesquisa científica. Isso pode fazer uma diferença real para os esforços de conservação e reduzir os conflitos entre humanos e animais, criando uma base de conhecimento para solucionar as crescentes ameaças e problemas, muitas vezes infligidos por nós, humanos, talvez os verdadeiros selvagens. (#Envolverde)

* Alexandre Gonçalves Jr é jornalista estudante da Faculdade Cásper Líbero. É estagiário na área de comunicação no Instituto Pro Bono e se interessa por temas de direitos humanos, meio-ambiente e design.  Carolina de Barros é jornalista, estudante da Faculdade Cásper Líbero, e graduanda em biologia na USP. Se interessa por sustentabilidade e meio ambiente.

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Correspondentes da IPS

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