Engenheiras lutam contra a desigualdade

Por Stella Paul, da IPS – 

Tilonia, Índia, 9/3/2017 – Em uma manhã do verão de 2008, a indiana Magan Kawar decidiu abandonar sua aldeia em busca de trabalho. No dia seguinte, seus sogros a condenaram ao ostracismo. “Estavam com muita raiva”, recordou essa mulher de 52 anos, dois filhos e originária de Bhawani Khera, 400 quilômetros a oeste de Nova Délhi. “As mulheres nunca saem sozinhas de suas casas. Deixar a aldeia e trabalhar em um escritório com homens foi uma desonra. Meus sogros disseram que lhes levei a desgraça”, contou.

Kawar saiu rumo a Tilonia, a uma hora de ônibus de sua aldeia, apesar de seus familiares descontentes e seus vizinhos impactados verem consternados sua partida. Junto com o marido, se converteu em técnica solar em um centro de inovação rural. Quando seu mundo lhe fechou as portas, seu marido lhe garantiu que “um dia tudo estaria bem”, recordou. Oito anos depois, Kawar, que só havia terminado a terceira série primária, é uma das principais especialistas em energia renovável da Índia.

Kawar é a principal instrutora do Barefoot College (Universidade Pés Descalços), em Tilonia, um centro de inovação e capacitação único, onde as mulheres de todo o país e do mundo se especializam em tecnologia solar. A Universidade foi criada há quatro décadas por Bunker Roy, um educador visionário e ambientalista que imaginou um lugar em que as mulheres com pouca ou nenhuma educação formal pudessem adquirir ferramentas para ganhar a vida e se converterem em líderes de suas comunidades.

A engenheira Magan Kawar (de véu rosa), que apenas concluiu o terceiro ano primário, ensina suas alunas de diferentes países do mundo sobre a tecnologia solar; já capacitou 900 mulheres de mais de 20 países. Foto: Stella Paul/IPS

 

São ensinados muitos ofícios, como costura, soldagem e carpintaria, entre outros, mas o programa mais emblemático é um curso semestral de tecnologia solar. O curso aceita mulheres maiores de 35 anos, principalmente de comunidades econômica e socialmente ignoradas de áreas sem eletricidade. São dois centros de aprendizagem separados, para as indianas e para as estrangeiras, chamadas “mamães solares”. Cada uma delas é escolhida por sua comunidade e enviada ao instituto por seus respectivos governos, e recebem bolsa do governo indiano, que cobre sua estadia no campus e a alimentação.

Atualmente há 30 mamães solares de 13 países da Ásia e da África, entre os quais se destacam Índia, Myanmar (Birmânia), Síria, Mali, Serra Leoa e Botsuana. O último grupo de estudantes se formará no dia 15 deste mês, quando receberão US$ 700 como pagamento pelos meses que estiveram estudando. Para muitas, é uma quantia que poderão empregar como capital para iniciar um negócio em suas comunidades. As que se formaram em fevereiro receberam uma lanterna solar, fabricada pelas técnicas do instituto.

O circuito da lanterna é complexo, com dezenas de microchips eletrônicos conectados entre si em uma pequena placa com pouco mais de dez centímetros. Ensinar essa complexa tecnologia, quando nem os professores nem as alunas falam inglês ou qualquer outro idioma comum, pode parecer um enorme desafio, mas não para as instrutoras da Pés Descalços, que têm sua própria metodologia inovadora.

“Começamos fazendo uma lista das partes e dos equipamentos mais importantes e dizemos a cada estudante que memorize. Isso é fundamental. Depois, nos comunicamos assinalando as partes, os sinais e as ações”, explicou Kawar. “Por exemplo, pego uma placa de circuito, indico uma parte e digo pressionem. Ou pego um cabo da fonte de energia de teste, mostro às alunas e digo teste de energia, e elas copiam”, acrescentou.


Amarmani Oraon é uma indígena analfabeta da atribulada região de Chhattisgarh, na Índia, que aprende a montar o circuito para uma lanterna solar. Foto: Stella Paul/IPS

 

Não são entregues certificados porque o lugar não objetiva ser um centro formal de educação. Em troca, se coloca em prática um método “muito, muito simples”, que fomenta uma educação que “realmente empodera”, pontuou Bunker Roy, também diretor da Universidade.

“Imagine uma mulher que nunca saiu de sua aldeia, não sabe ler nem escrever, pegar um avião e viajar 19 horas para chegar a um país desconhecido, com comida diferente, idioma diferente e em seis meses se tornar engenheira solar mediante a linguagem de sinais. Sabe mais de engenharia do que um universitário recém-formado. O que pode ser mais gratificante do que isso?”, destacou Roy.

Elizabeth Halauafu, de 42 anos, chegou de Tonga, uma pequena nação insular no Oceano Pacífico, considerada a mais vulnerável do mundo devido à elevação do nível do mar em razão da mudança climática. Mas que não adotou com rapidez as medidas de adaptação, como o uso de energias renováveis. Quanto Tonga finalmente decidir assumir seu papel e redobrar esforços na luta contra a mudança climática, ela poderá ser uma das pioneiras em tecnologia solar graças à capacitação da Universidade Pés Descalços.

“Aprendi sobre instalações solares e posso armar circuitos, montar e reparar luzes solares”, disse Elizabeth. “Quando regressar a Tonga, gostaria de conseguir um trabalho em que possa usar minhas habilidades. Meu marido e eu talvez comecemos um empreendimento solar”, acrescentou, antes de afirmar que chegará ao seu país no começo da época de tempestades oceânicas, quando a eletricidade escasseia.

As mamães solares Hala Nasif e Azhar Sarhan vieram de Damasco. O governo pode tentar apresentar a capital da Síria como um oásis em um país afetado pela guerra, mas a realidade no terreno é muito diferente: há apagões com frequência e todos vivem com medo de um colapso da rede elétrica. A tecnologia solar não é muito popular, mas logo poderá ser a única fonte de eletricidade se a guerra não terminar logo, observaram Nasif e Sarhan. “Estranho a casa e a comida, mas ver outras mulheres que vieram de lugares difíceis me faz esquecer minhas próprias dificuldades”, afirmou Nasif.


As mulheres de aldeias rurais na Índia usam lanternas solares fabricadas por mães formadas na Universidade Pés Descalços de Tilonia. Foto: Stella Paul/IPS

 

Lila Devi Gujjar, também instrutora na universidade, ressaltou que a maioria das estudantes carrega uma dor enorme. E explica que “muitas sobreviveram ao abuso, à violência e estão quebradas espiritualmente. Mas aqui encontram uma forma de esquecer o passado e renovar a esperança de reconstruir suas vidas”.

Kawar contou o caso de Chantal, uma estudante da República Democrática do Congo, que foi estuprada várias vezes. “Era sua primeira fuga da violência. Primeiro chorou durante dias, depois se entregou aos estudos. De alguma forma, nosso ambiente de aprendizagem informal foi reconfortante para ela”, indicou. “De alguma forma nos damos conta de que em todo o mundo a vida das mulheres é a mesma, com muitas dificuldades, mas juntas podemos reescrever nossa história”, apontou.

E Kawar reescreveu a sua história há alguns anos, enviando seus dois filhos para a universidade e convidando seus sogros a conhecerem a Universidade Pés Descalços. “Chegaram, me viram ensinando e minha sogra disse: ‘mas são mulheres aprendendo umas com as outras’. Nesse dia ela voltou a me receber na família”, contou sorrindo Envolverde/IPS

* Este artigo faz parte da cobertura especial da IPS por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

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Stella Paul

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